A veneração da eficiência

Por Daniel Galli

25/11/2024

Há um dado histórico na política brasileira que não pode ser ignorado: quem busca compreender o convulsionamento do sistema institucional brasileiro precisa reconhecer o impacto social da personalidade de Jair Bolsonaro na última década.

Alguns afirmam conhecer Bolsonaro há mais de duas décadas; outros dizem estar com ele desde 2018. No entanto, sua trajetória rumo à presidência começou a ganhar forma ainda em 2014, quando ensaiou uma candidatura presidencial, mas, sem conseguir legenda, acabou concorrendo novamente como deputado federal. Foi nesse período que começou a se desenrolar a “novela” de sua candidatura à presidência. Filiou-se ao PSC, partido que alegava estar mais comprometido com valores cristãos e com a igreja do que com a política tradicional. Contudo, ao perceber que sua candidatura enfrentava riscos dentro dessa legenda, migrou para o PSL.

Todos sabemos o resultado: Jair Bolsonaro foi eleito presidente da República. E, desde a redemocratização, nenhum outro presidente enfrentou tantas dificuldades para governar o país.

Entretanto, o foco aqui não é sua vitória eleitoral, suas dificuldades de governo ou os aspectos dramáticos de sua derrota em 2022. O que nos interessa é a reação do povo diante de Bolsonaro e como ele mobilizou a população comum a se interessar pelos processos políticos e institucionais.

Desde a Proclamação da República, o povo brasileiro era, em grande parte, espectador passivo da política nacional. Ser um cidadão comum no Brasil sempre significou assistir à “banda passar” sem poder mudar uma única nota. Raymondo Faoro chamou a elite dominante de “os donos do poder”, habituados a um povo passivo. O arranjo institucional criado pelo golpe republicano sufocava qualquer reação popular — apenas membros das elites podiam exercer influência.

Bolsonaro, no entanto, despertou no povo brasileiro um interesse renovado pela política nacional. A cada passo, explicava a seu eleitorado os motivos pelos quais seus planos eram frustrados, criando uma dinâmica democrática inédita desde o fim do regime militar. Assim, ele pode ter dado início a um processo que busca transformar o povo brasileiro em uma verdadeira grandeza política: um agente legítimo e homogêneo no cenário nacional.

Essa transformação incomodou profundamente boa parte do establishment, que agora se vê obrigado, ao menos, a fingir preocupação com uma agenda popular. O modelo patrimonialista de utilizar as instituições de Estado e governo encontra-se pressionado. O jogo político deixou de ser apenas sobre asfalto, poda de árvores e anexos hospitalares. O brasileiro agora quer ditar os rumos das instituições públicas — e isso é política em sua essência.

Por outro lado, há quem apele à nostalgia, defendendo o pragmatismo despido de ideologias como solução. Para esses, bastaria focar na eficiência: mais empregos, menos impostos, pão na mesa e investimentos para empresários. Esse discurso, aparentemente lógico e simples, seduz tanto o cidadão comum quanto a elite, que o repete exaustivamente. Mas será que a eficiência é mesmo imparcial, neutra e benevolente?

A verdade é que a eficiência nunca foi neutra. Cada decisão tomada em seu nome esconde escolhas políticas e existenciais: quem será beneficiado? Quem pagará o preço? Enquanto se celebra a eficiência como o auge da boa governança, raramente se pergunta para quem ela realmente trabalha. Na prática, os setores que se beneficiam são sempre os mesmos: grandes exportadores, mercados financeiros e aqueles com poder suficiente para moldar as regras do jogo.

E o povo? Esse segue como o padeiro Nóbrega, preocupado apenas com placas, vidraças e nomes para seu estabelecimento — enquanto paga o preço dessa eficiência venerável sem muito reclamar. Vive, resignado, para sustentar uma elite que não abandona seus privilégios. Sua força, que poderia ser direcionada à construção de um novo Brasil, para seus filhos e netos, permanece refém de um sistema que perpetua desigualdades.

Jair Bolsonaro, ao renovar a esperança na construção de um Brasil diferente, criou o que pode ser chamado de “culto à eficiência democrática”. Os inimigos desse novo movimento são rotulados como antidemocráticos e asquerosos, enquanto a velha elite tenta, de maneira desesperada, promover políticas “eficientes” para manter sua influência.

Mas a pergunta essencial permanece: eficiente para quem?

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