A Soberania do Agro e a Cegueira Institucional

O aumento de 50% nas tarifas sobre produtos brasileiros nos Estados Unidos acendeu o alerta em parte do agronegócio. Agora surgem notas em jornais, manifestos cautelosos e tentativas de reaproximação. Mas o dano já foi feito. E ele não começou com Washington. Começou aqui, quando o Brasil passou a ser percebido como um país juridicamente instável, politicamente omisso e diplomaticamente irrelevante. Um país que já não transmite confiança.

Boa parte do setor produtivo fingiu por tempo demais que o problema era apenas político. Que o agro estava acima da crise. Que bastava manter a produtividade e garantir os insumos. Mas a conta chegou. E chegou porque os fundamentos que sustentam qualquer relação comercial foram corroídos de dentro. O problema não está na soja, no café ou na laranja. Está no país.

O Brasil vive uma crise institucional que não é mais possível negar. Abusos judiciais, perseguições seletivas, normalização do estado de exceção e uso instrumental da lei comprometeram a segurança jurídica. No entanto, a maior parte do agro manteve o silêncio. A Frente Parlamentar da Agropecuária nunca faltou quando o tema era crédito rural, fertilizantes ou mercado de carbono. Mas permanece ausente diante da erosão das garantias fundamentais, da supressão do devido processo legal e do desmonte da previsibilidade jurídica que deveria proteger qualquer setor produtivo.

Essa omissão tem custo. E não é apenas simbólico. O capital global observa, reage, recua. A reprecificação de ativos, a suspensão de contratos e o desvio de investimentos são respostas racionais a um ambiente institucional que se tornou opaco e volátil. Não se trata de protecionismo. Trata-se da percepção crescente de que o Brasil se tornou um país onde o risco jurídico contamina a lógica econômica.

A soberania do agro depende da soberania do Estado de Direito. Sem ela, não há segurança contratual, estabilidade diplomática ou confiabilidade comercial. O agro não está perdendo espaço por falta de produtividade. Está perdendo por estar localizado em um país que já não inspira confiança externa.

Insistir em dissociar a crise institucional da agenda econômica é repetir um erro antigo. A competitividade brasileira não está sendo minada no campo — ela está se deteriorando nas cortes superiores, nos tribunais silenciosos, nas diplomacias passivas e nas alianças políticas que escolhem a acomodação em vez do enfrentamento.

O que está em jogo não é apenas uma tarifa de 50%. É o reconhecimento tácito de que o Brasil virou risco. Um risco que já não pode ser compensado nem pelo café mais premiado, nem pela soja mais eficiente. Porque quando o problema é o país, não há produto competitivo que salve o investidor da desconfiança.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *