
Publicado em 20 de Novembro de 2025
Para entender o que está acontecendo sob a propaganda da economia brasileira, esqueça por um momento as planilhas de Excel. Olhe para suas mãos. Entrelace os dedos com força e aperte as palmas uma contra a outra até que as juntas fiquem brancas. Imagine que a pressão que sua mão direita exerce é a despesa pública obrigatória. A mão esquerda é a arrecadação. Em um sistema saudável, as duas forças se equilibram. Diferente fez o governo federal, através de um mecanismo chamado “faseamento”, onde amarrou um torniquete no pulso das contas públicas. O dinheiro parou de chegar aos dedos, ao povo. O gasto sumiu. Mas a pressão arterial continuou subindo e o tecido começou a definhar silenciosamente.
A alta cúpula de Brasília chama isso de “faseamento”, uma espécie de calote diferido. O governo criou um “colchão” de R$ 24 bilhões através da asfixia política, não da eficiência. O gestor público é impedido de investir não porque o serviço seja necessário, mas porque o sistema de liberação foi travado em nome de fingir austeridade fiscal.
O resultado é uma esquizofrenia contábil que seria fascinante se não fosse tão perigosa. Oficialmente, o déficit projetado para 2025 é de R$30 bilhões, um número gigantesco e, mesmo assim, higienizado, que permite ao governo alegar cumprimento da meta fiscal. Mas na prática, a corrosão estrutural que come as vigas de sustentação das contas nacionais se aproxima dos R$75 bilhões. A diferença é composta por despesas convidadas a se retirar da realidade pelo governo, como precatórios e ressarcimentos da fraude do INSS. O dinheiro sai do caixa igual, a dívida aumenta igual, mas a narrativa oficial os trata como fantasia.
A tragédia também parte da cumplicidade de quem deveria soar o alarme. O mercado financeiro optou por desligar todos os sensores de alerta quando o assunto é o governo Lula. Há uma espécie de pacto na Faria Lima onde, se todos concordarem em fingir que o governo está falando a verdade, o barco dos lucros flutua por mais alguns trimestres. O rentismo aceita a novilíngua fiscal, onde gastos correntes viram exceções, desde que os juros continuem pingando. O mercado e o governo dançam juntos à beira do abismo, um fingindo que paga, o outro fingindo que acredita.
Quando a ruptura ocorrer, ela virá como mais um drama do cotidiano do brasileiro. Primeiro o desaparecimento do crédito, depois a inflação que deixa de ser um índice nos jornais para se tornar uma presença física nas prateleiras, onde os preços mudam com uma velocidade vertiginosa. O valor da moeda se liquefaz dia após dia.
Os contratos viram pó, já que a confiança evaporou. O dólar dispara e os serviços públicos essenciais (aqueles que foram “faseados”) entram em colapso funcional: hospitais sem insumos, viaturas sem gasolina, sistemas fora do ar. Geladeiras vazias em lares de classe média e uma estagnação pesada, úmida e imóvel cobrindo as cidades.
O problema fundamental é a dissonância entre o mercado e a realidade. O ciclo político humano opera em trimestres e mandatos. A dívida pública opera em tempo geológico. Ela acumula pressão lentamente, invisível e inexorável, indiferente às manobras de propaganda. Os brasileiros comuns, que vivem o cotidiano, não podem fazer nada sobre a farra fiscal. Só podem observar, com tristeza, o sistema se ajustando contra ele. E quando a pressão acumulada por trás do torniquete finalmente estourar, não haverá faseamento, retórica ou manobra contábil capaz de conter a hemorragia.
Tudo o que vai restar será a conta de uma crise onde o povo, mais uma vez, terá de pagar os juros cobrados pela realidade.