
Publicado em 22 de Outubro de 2025
Quem lê alguma das manchetes sobre ações do governo federal pode ter a impressão de morar em um Brasil diferente do Brasil real, onde 23,4% da população vive na pobreza e o endividamento consome 27,8% da renda familiar. E espanta que é neste Brasil que o Estado encontrou, como fonte de receita, se tornar uma casa de apostas. A Caixa Econômica Federal, tradicionalmente o “banco do pobre”, se prepara para lançar sua plataforma de bets, justamente quando 10 milhões de brasileiros sobrevivem com menos de 7 reais por dia.
O mesmo governo que fez de seu slogan “colocar o pobre no orçamento” decidiu que irá fazer isso mesmo, mas, no caso, o pobre entra como receita, usando a desesperança dos menos favorecidos como presa. A máquina estatal mira um mercado que movimentou R$ 17,4 bilhões em apenas seis meses e promete atrair 17,7 milhões de apostadores. Sob o manto da modernidade do PIX, da biometria e até um “superapp”, a Caixa investe em tecnologia para otimizar a exploração dos mais vulneráveis.
Não se iluda: esta não é uma mera regulamentação, mas a institucionalização do vício e da dívida como política de Estado. O governo que deveria combater a vulnerabilidade financeira agora capitaliza em cima dela, transformando cidadãos em apostadores e o Estado em cassino. Um jogo perigoso onde a casa – no caso, o Tesouro Nacional – sempre ganha, mesmo que seja à custa da estabilidade das famílias do país
O governo está admitindo que vai abertamente lucrar com a perversão completa da sua função social. Enquanto cidades como São Paulo atingem o recorde de 55 mil pessoas em situação de rua e milhões pelo país permanecem abaixo da linha da pobreza, o governo não apenas regulamenta, mas assume o controle do cassino. A projeção de arrecadar R$ 2 a 2,5 bilhões em 2026 com as apostas online revela a ideia que comanda as políticas públicas: é mais lucrativo explorar a sua desesperança do que combatê-la.
O custo social dessa estratégia é, infelizmente, previsível. O vício em apostas é um caminho direto para o endividamento crônico, a depressão e a desintegração familiar. As medidas de controle, como o bloqueio de cartões do Bolsa Família, já se mostraram tão eficazes quanto enxugar gelo: burocráticas, tardias e completamente incapazes de conter a natureza compulsiva do jogo.
Há um perigo fundamental quando o Estado passa a financiar seus cofres explorando as fraquezas de seus cidadãos. Se aceitarmos que explorar o vício é uma fonte legítima de receita, todo limite ético desaparece. O desenvolvimento verdadeiro do país exige que o Estado seja um farol de racionalidade, não o incentivador da ruína do lado mais fraco do tecido social. Enquanto o governo opta por monetizar a fragilidade social, ele abandona o seu dever de fomentar o empreendedorismo, a inovação produtiva, a indústria nacional e a educação financeira.
Apostar na desesperança do brasileiro não pode se tornar política pública. Não podemos ver com apatia a mais uma rendição ética de um governo que claramente esqueceu o seu propósito fundamental de proteger, não explorar, aqueles que mais precisam de ajuda. O que está em jogo vai além dos bilhões que o estado vai arrecadar. Está em jogo a nossa capacidade de se indignar pela alma do Estado brasileiro ao ver que, ao invés de ser o administrador dos interesses da nação, se rendeu à chance de se tornar, de maneira definitiva, uma máquina que se aproveita da miséria alheia.