
O BSIGMA 2025, vendido como a maior feira de apostas da América Latina, escancarou um processo mais profundo do que a legalização de um setor ou o avanço de uma nova indústria. O que se viu ali não foi apenas a normalização do vício como entretenimento — foi a naturalização da lógica segundo a qual o Brasil deixa de ser um país com projeto civilizacional e passa a operar como território de rentabilização do desespero.
Não se trata apenas de “jogos de azar”. Trata-se de uma engrenagem que conecta tecnologia, marketing, psicologia comportamental, fluxos financeiros transnacionais e vulnerabilidade social. Uma arquitetura de dependência onde a aposta — vendida como “experiência gamificada” — se converte em política pública regressiva, em motor fiscal de curto prazo e, mais do que tudo, em anestésico social.
O discurso institucional repete os mantras: geração de empregos, arrecadação, regulamentação responsável. Mas o subtexto é brutal: as bets se tornam a nova loteria estatal, privatizada, automatizada e dirigida ao miserável. A esperança de ascensão — que já foi baseada em trabalho, poupança e estudo — agora passa por um clique no aplicativo, por um bônus de boas-vindas, por um algoritmo projetado para prender o usuário até a falência. E o Estado, em vez de conter, estimula. Em vez de proteger, tributa.
Mais do que a falência moral de um governo, esse processo denuncia o colapso de um paradigma de desenvolvimento. A nação foi dissolvida na planilha. O Brasil virou uma API de arrecadação, um backend fiscal que monetiza o colapso da sua própria base popular. A cada nova plataforma de apostas, a cada influenciador que vende “renda extra” para a base da pirâmide, o país vai deixando de ser projeto e se tornando apenas mercado.
Há, claro, os que dirão: “melhor regular do que proibir”. Mas a regulação que se vê é cosmética, quando não cínica. Palestras sobre ludopatia servem apenas para encobrir a estrutura que a provoca. Mecanismos de “autoexclusão” são marketing. Os operadores sabem que seu modelo depende justamente de quem não consegue parar. Não é coincidência que o próprio setor esteja financiando plataformas de streaming, ligas esportivas, canais infantis, influenciadores de periferia. A lógica é simples: não se vende esperança para quem já venceu.
Essa engrenagem não é equivoco — é projeto. E como todo projeto, tem seus beneficiários: empresas transnacionais baseadas em paraísos fiscais, redes de intermediação ligadas ao crime organizado, e operadores políticos que fingem não ver o óbvio. A crise brasileira não é apenas orçamentária. É civilizatória. Estamos vendendo o futuro em troca de imposto de ocasião. E o produto que exportamos ao mundo já não é soja, minério ou manufatura — é vício.