No Brasil, observa-se a ausência de uma discussão pública séria sobre geopolítica, política internacional ou mesmo sobre a conjuntura nacional. No contexto brasileiro, jornalistas, comentaristas e analistas frequentemente produzem textos semelhantes às redações do ENEM, nos quais a utilização de um conjunto específico de jargões em ordem minimamente coerente é suficiente para garantir aprovação. A discussão sobre setores produtivos, geração de riqueza e aumento da renda per capita é praticamente inexistente. O foco recai predominantemente sobre temas como democracia, distribuição de renda e outros jargões que, embora possam ser utilizados para garantir a aprovação em escolas, revelam-se simplesmente inúteis diante das complexidades do mundo dos adultos, onde os problemas reais existem.
Um exemplo de debate negligenciado — talvez excessivamente abstrato para certos jornalistas — é a discussão sobre o declínio do capitalismo baseado na produção e consumo, pois estaria se avizinhando uma espécie de economia de arrendamento tecnocrático, ou tecnofeudalismo, um termo utilizado para descrever uma nova fase do capitalismo digital, no qual um número reduzido de grandes empresas de tecnologia exerce um poder econômico, social e político comparável ao dos senhores feudais medievais. Essas gigantes tecnológicas, como Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft, controlam a infraestrutura digital global — incluindo plataformas, serviços em nuvem e redes sociais — e concentram vastas quantidades de dados pessoais e empresariais. Essa concentração de poder resulta em relações econômicas assimétricas, nas quais pequenos negócios, trabalhadores e usuários tornam-se altamente dependentes dessas corporações, sem poder real de negociação.
Adicionalmente, a concentração de riqueza e a influência permite a essas empresas moldar políticas públicas, normas regulatórias e até decisões políticas, criando “territórios digitais” controlados por poucos atores privados. No tecnofeudalismo, portanto, a democracia e o interesse público podem coexistir com uma realidade prática em que as relações econômicas, políticas e sociais são profundamente desiguais, verticalizadas e desprovidas de garantias de isonomia, remetendo à estrutura de vassalagem do feudalismo medieval, adaptada ao contexto tecnológico e digital do século XXI.
Enquanto no passado o indivíduo adquiria bens físicos ou serviços permanentes, no tecnofeudalismo ele passsa a alugar continuamente acessos e permissões, sem jamais possuir plenamente os produtos utilizados. Livros, filmes, músicas, softwares e até mesmo veículos deixam de ser propriedades concretas, transformando-se em acessos temporários controlados por plataformas digitais.
Essa mudança, aparentemente sutil, tem um impacto social e econômico revolucionário. O consumidor perde autonomia, tornando-se dependente das concessões permanentes de grandes corporações, que ditam preços, condições e termos de uso. Trata-se de um modelo de subordinação digital constante, no qual a propriedade cede lugar a um sistema baseado na dependência contínua do usuário em relação ao fornecedor. Desta forma, essas empresas assumem o papel de arrendadoras, garantindo para si um fluxo constante e previsível de receitas e consolidando seu poder sobre o indivíduo, que se torna um eterno arrendatário, pagando indefinidamente por aquilo que jamais possuirá integralmente.
Nesse sentido, o tecnofeudalismo molda uma nova cultura de consumo, caracterizada pela precarização da autonomia do consumidor e pela consolidação do poder das plataformas digitais, que, como novos senhores feudais, dominam territórios digitais, ditam regras e mantêm sob seu domínio todos aqueles que deles dependem.
Considerando que o Brasil sequer adentrou plenamente na era do capitalismo industrial — operando sob um modelo que pode ser, no máximo, classificado como patrimonialista —, questiona-se se o país sucumbirá diante dos senhores feudais corporativos. Perder-se-á a cidadania brasileira para tornarem-se vassalos? Ou, pior, consumidores reféns de infraestruturas corporativas? Como o Brasil poderá assegurar liberdade de expressão, segurança de dados e propriedade privada diante dos novos senhores feudais corporativos?