A aposta da Faria Lima em uma miopia dos EUA

Publicado em 18 de Novembro de 2025

Na era de bets e tigrinhos, a elite financeira do Brasil também resolveu fazer uma aposta fadada ao fracasso. O XXVI Congresso Nacional do Ministério Público atraiu o apoio de um batalhão de gigantes corporativos. Coca-Cola, Caixa, Febraban, Multiplan – seus logotipos estamparam o material de divulgação. No centro do palco, um ministro sancionado pela Lei Global Magnitsky, persona non-grata para os Estados Unidos. Para os patrocinadores, o cálculo parecia simples: alinhar-se a uma das figuras mais poderosas da República.

Foi um erro de cálculo monumental, uma aposta quase risível para executivos tão experientes. Os logotipos ao lado do ministro formaram uma potencial cena de crime regulatório. Ao dar plataforma a um indivíduo sancionado pelos EUA, cada patrocinador se arriscou, de caso pensado, a ser enquadrado como cúmplice.

Para os céticos que acham que Washington não se importa com um congresso em Brasília, existe uma história simples de entender. A história da Gunvor.

Nos anos 2000, a trading suíça era uma potência, em grande parte por causa de seu cofundador, Gennady Timchenko, um oligarca com linha direta para o Kremlin. Em 2014, quando a Rússia anexou a Crimeia, os EUA não sancionaram a Gunvor – sancionaram Timchenko pessoalmente, deixando explícito em seu comunicado que Vladimir Putin tinha “acesso aos fundos da Gunvor”.

Esse foi o beijo da morte. A Gunvor, mesmo sem estar na lista de sanções, se tornou radioativa da noite para o dia. Nenhum banco com operações em dólar se arriscou a tocar em algo que o Tesouro americano havia marcado como uma “caixa registradora de Putin”. Em uma operação de emergência, Timchenko foi forçado a vender sua participação. A empresa sobreviveu, mas teve que amputar sua identidade russa para salvar o corpo.

Mas o estigma nunca desaparece. A Gunvor em 2025, já uma empresa completamente diferente, tenta comprar os ativos da petrolífera russa Lukoil por US$ 22 bilhões. A resposta do Tesouro americano foi chamar a Gunvor publicamente de “fantoche do Kremlin”. O negócio evaporou em questão de horas. O fantasma de Timchenko ainda assombra a empresa uma década depois.

É esse mecanismo de contaminação reputacional que os patrocinadores do congresso do MP parecem fazer de conta que não existe. A genialidade da Lei Magnitsky está na sua extraterritorialidade e no conceito de “auxílio material”. Não se trata apenas de transferir dinheiro: dar um palco, emprestar credibilidade ou ter seu logotipo ao lado do sancionado são atos que colocam uma empresa na mira da OFAC.

É de se imaginar o que se passa na cabeça de um executivo que aprova um patrocínio como esse. A explicação mais provável aponta para uma espécie de provincianismo arrogante, uma crença nas ladainhas do governo de que o poder do judiciário dentro das fronteiras brasileiras é um escudo impenetrável contra as regras do sistema financeiro global. Eles enxergam apenas um aliado no judiciário brasileiro, não um pária na lista do Tesouro americano. Confortáveis com o poder de Brasília, esqueceram que operam num tabuleiro global cujas regras são ditadas em Washington.

O poder real do Tesouro americano não está na ameaça. Está no controle burocrático do acesso ao dólar. Ele não precisa invadir seu escritório, mas pode garantir que nenhum banco atenda suas ligações.

O congresso terminou e todos voltaram para casa. Mas a aposta das empresas envolvidas é um flagrante permanente. Elas podem ter ganho alguns pontos com Brasília, mas se abriram a um risco que não pode ser mitigado por lobby ou liminar. E como tantos outros descobriram antes deles, a memória do Tesouro americano é longa, e a conta, quando chega, vem sempre em dólares.

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