
Por Lorenzo Carrasco e Geraldo Luís Lino
Publicado em 09 de Novembro de 2025
As repercussões da operação policial contra o Comando Vermelho (CV) no Rio de Janeiro (RJ), na terça-feira, 28 de outubro, colocaram os holofotes na rápida expansão das grandes facções criminosas pelo País, em especial, nos estados da Amazônia Legal. O mapa na arte, produzido pelo Instituto Mãe Crioula (IMC) de Belém (PA) e reproduzido pelo “Estadão”, proporciona uma visão da seriedade do problema.
Uma pesquisa do IMC e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgada no final do ano passado, mostrou que 260 dos 772 municípios da Amazônia Legal têm uma agressiva presença do CV, do Primeiro Comando da Capital (PCC) e de outras facções menores. Na época em que a pesquisa foi feita, o CV dominava 130 municípios, o PCC 28 e os demais eram divididos entre as demais facções. Hoje, seguramente, esses números subiram.
Em entrevista ao jornal O Globo de 12 de dezembro passado, o presidente do FBSP, Renato Sérgio de Lima, afirmou que “boa parte do dinheiro que circula na região hoje é do crime”, já sendo possível dizer que “o crime organizado é o principal empregador na região amazônica”. Segundo ele, a questão-chave é o controle territorial:
“As organizações passaram a explorar todo e qualquer produto que gere retornos muito altos, que tenham como fundamento a questão do controle do território. Para ter essa força, elas precisam ter controle do território, seja na comunidade do Rio de Janeiro, seja na quebrada de São Paulo, seja na selva. No caso da Amazônia, é preciso ter o controle da rota toda da droga. Com esse controle da rota, começam a explorar o uso da terra, a abrir pasto para atividades de loteamentos clandestinos, trazer gado, explorar o ouro. O eixo estruturador é o território.”
A pesquisa mostrou que a disputa por territórios e pelo uso do solo é o principal indutor da violência na Amazônia Legal, cuja taxa de homicídios é a mais alta do País, com 32,3 mortes para cada 100 mil habitantes, 41,5% superior à média nacional.
Tanto na região amazônica como nas demais, o problema atingiu os exacerbados níveis atuais em função de décadas de descaso por parte de lideranças de todos os setores da sociedade, com ênfase especial na classe política, mais interessada nos jogos do poder do que nas perspectivas de desenvolvimento do País em um projeto catalisador das energias nacionais, cuja ausência funciona como caldo de cultura para a proliferação da criminalidade em todos os níveis.
Uma pesquisa divulgada em agosto pela Cambridge University Press (“Criminal Governance in Latin America: Prevalence and Correlates”) estimou que nada menos que 26% da população brasileira vive em áreas sob influência direta do crime organizado, a maior proporção de toda a América Latina.
Ou seja, em uma parcela do território nacional que abriga mais de 50 milhões de pessoas, a soberania do Estado brasileiro foi “compartilhada” com as facções criminosas, que ali impõem o seu regime de extorsão e terror.
Vale registrar que o conceito de “soberania compartilhada” remonta à década de 1990, quando o então presidente francês François Mitterrand o mencionava em relação a uma alegada incapacidade do Brasil para impedir a “devastação” da Floresta Amazônica. A mesma Amazônia que tem sido enormemente prejudicada no aproveitamento dos seus vastos potenciais de desenvolvimento socioeconômico, pela adoção passiva da campanha ambientalista-indigenista internacional e sua forte influência nas políticas ambientais e de desenvolvimento nacionais. Nesta agenda, os biomas da região devem ser preservados como uma espécie de santuário vedado a toda sorte de atividades produtivas, inclusive, a implantação de infraestruturas modernas, apesar da precariedade da sua disponibilidade na região mais empobrecida e subdesenvolvida do País.
No Brasil, os adeptos dessa orientação, nos governos federal e estaduais, ONGs e até mesmo certos segmentos empresariais, salivam com a perspectiva de converter os biomas amazônicos em colaterais para “investimentos sustentáveis”. Uma possibilidade cada vez mais ilusória, dado o indisfarçável refluxo do sistema de “finanças verdes” em âmbito global.
Para a região, usando a oportuna expressão do agrônomo Alfredo Homma, da Embrapa Amazônia Oriental, a agenda do poderoso aparato internacional dedicado à instrumentalização política das causas ambientais é mantê-la submetida a um “subdesenvolvimento sustentável”.
Nesse vácuo de desenvolvimento, instala-se a violência banalizada pelo descompromisso institucional de virtualmente todas as esferas responsáveis pela vida pública nacional.
Enquanto exacerbam-se preocupações com o “arco do desmatamento”, as facções criminosas se empenham em exercer uma soberania de fato sobre vastas áreas da região.