
Publicado em 07 de Novembro de 2025
O Terror Sem Ideologia: Quando o governo diz que facções não são terroristas por “falta de viés político”, o problema deixa de ser semântico e passa a ser moral e institucional.
O secretário nacional de Segurança Pública acredita que as facções não podem ser classificadas como terroristas porque “não têm viés político”. O argumento expõe a fantasia de que o terror precisa de ideologia, quando o que define o terror é o poder de paralisar o Estado e governar no lugar dele.
Facções não pregam, mas impõem. Não disputam voto, mas controlam território. Não fazem campanha, mas administram bairros inteiros, cobram imposto, regulam transporte, aplicam penas, expulsam moradores e decidem quem vive e quem morre. Chamam isso de crime organizado. Sempre foi terrorismo.
A recusa em chamar o problema pelo nome não é semântica — é escolha política. Porque reconhecer facções como terroristas abriria caminho para outro tipo de enfrentamento: o que exige articulação de inteligência, integração com forças armadas e tratados internacionais de repressão a redes transnacionais. O governo prefere a zona cinzenta, onde o crime pode ser tratado como questão social e o Estado como vítima impotente.
O secretário teme que a classificação como terrorismo “vulnerabilize” o Brasil diante de pressões externas. Mas nenhuma pressão externa fragiliza tanto quanto permitir que organizações criminosas funcionem como governos paralelos dentro de suas fronteiras. Nenhum inimigo estrangeiro nos submete tanto quanto as facções que controlam territórios urbanos inteiros sem resistência efetiva.
É a confusão de sempre: o receio de admitir que o problema interno já é de natureza geopolítica. O narcotráfico e as milícias não são fenômenos locais, mas redes que atravessam fronteiras, movimentam bilhões e corrompem instituições. Fingir que se trata de mera criminalidade doméstica é fechar os olhos para a infiltração de poder que já atinge o próprio Estado.
Quem mora nas periferias vive sob lei própria. A ausência do Estado não é mais omissão — é substituição. O crime já ocupa funções de polícia, juiz e governo. E quando o governo insiste em discutir “viés político”, mostra que perdeu o fio da meada: soberania é controle de território, e hoje há partes do Brasil onde o Estado já não manda há muito tempo.
Pedir “menos ideologia” virou o gesto mais ideológico. Ele esconde a escolha política de não confrontar estruturas que governam na sombra. Chamar facção de “organização criminosa comum” é como chamar guerra de “conflito local”: a linguagem da capitulação.
A fragilidade do Estado não se mede apenas por déficits fiscais ou crise de representação, mas pela perda da autoridade sobre o próprio território. Onde o crime dita regras, o Estado é tolerado como convidado — não reconhecido como soberano. E quando essa inversão se naturaliza, o país passa a negociar com o caos como se fosse parte da ordem.
O crime não precisa de discurso para ser regime. Ele já governa onde o Estado se retirou. E quanto mais o poder público evita nomear o inimigo, mais o inimigo se fortalece — até se tornar inegociável.