
Publicado em 05 de Novembro de 2025
De um lado, o grito de um pai que clama por justiça e diz, a quem quiser ouvir, que “o governo tem que fazer alguma coisa”. Do outro, o mesmo governo, na figura do Presidente da República, diz ser “desastrosa” a maior operação contra o crime organizado na história do Rio de Janeiro. Entre os cidadãos que frequentemente são vítimas do crime e a análise política do Planalto, existe um abismo intransponível que revela a existência de dois Brasis distintos, e a desconexão total entre o país da elite e o país vivido pelo povo.
As pesquisas expuseram a dimensão deste divórcio de realidades. Um levantamento mostrou que 87,6% dos moradores de favelas do Rio de Janeiro apoiaram a megaoperação que o Presidente da República condenou. 57% dos moradores de toda a região metropolitana do Rio consideraram a ação um sucesso. Estes números são o reflexo de um anseio desesperado por ordem, por liberdade de viver em um país que entenda o tamanho do poder que o narcotráfico tem sobre as pessoas. É um suspiro de alívio de uma população que tem 1 entre 4 de seus compatriotas vivendo sob o controle do crime. O cidadão comum, refém diário da barbárie, sentiu por um breve momento que o Estado estava ao seu lado.
É por isso que a reação do governo federal diante disso é tão sintomática. Ao chamar a operação de “matança” e colocar em dúvida o trabalho de todo o sistema de segurança do RJ, o governo não invalida só a ação heróica das forças policiais, mas o alívio sentido por milhões de brasileiros. A mensagem é clara: a sua sensação de segurança está errada, a sua indignação contra o crime é um sentimento autoritário e a sua vontade por ordem no dia a dia é um desvio de caráter. O Estado, sob esta gestão, claramente não quer ser um protetor dos mais pobres, mas um palestrante que ensina ao povo que o que ele sente é errado.
Como não poderia deixar de ser, o cálculo por trás dessa postura é mesquinho. Pesquisas internas do governo trabalham com uma premissa cínica: eles acreditam que a médio prazo, a avaliação positiva da operação “tende a se reverter”. A aposta do governo é no esfriamento da revolta do povo com o crime. Eles contam com o esquecimento da indignação popular. Contam que a morte de inocentes nas mãos dos bandidos se torne novamente apenas estatística e que a memória do alívio no Rio se dissipe.
É precisamente essa estratégia que o povo deve combater com unhas e dentes. O esfriamento da revolta da população com o crime é tudo o que o poder e o crime desejam. Um povo anestesiado, que normaliza a violência e aceita passivamente a tutela ideológica de quem vê humanidade em terroristas que transformam a vida de cidadãos comuns em um inferno. Para os donos desse sistema, um povo paciente com o crime é fácil de ser dominado; seja por dois caras numa moto, seja por um político em Brasília.
A indignação que o pai das vítimas diárias do crime expressam em seus prantos, além de ser um direito deles, é um dever cívico nosso. Manter essa chama acesa é a única barreira contra a necrose moral que o sistema que tomou conta da imprensa, da educação, da cultura e da política tenta nos impor. Permitir que essa indignação se apague é assinar um pacto tácito com a barbárie e com aqueles que, por cálculo político ou afinidade ideológica, tornam-se seus fiadores. Se o povo sentiu algum alívio com um pequeno vislumbre de como pode ser um Brasil que enfrenta o crime, que não peça desculpas por isso. Pelo contrário, que exija cada vez mais ações semelhantes.