É possível desenvolver o Brasil seguindo a ortodoxia econômica do consenso de Washington?

Publicado em 1º de Novembro de 2025

A história econômica brasileira mostra que a dificuldade de criar um projeto nacional de desenvolvimento econômico não começa com a “redemocratização” (sic), mas é um problema que se arrasta por mais de um século. Já na Primeira República, depois da distribuição de crédito promovida por Rui Barbosa, o país aceitou um ajuste duro – principalmente com a renegociação da dívida em libras em 1898 – que colocou no centro da política econômica a obrigação de pagar a dívida externa, estabilizar o câmbio e dar segurança ao credor estrangeiro. Para isso, o governo cortou gastos, aumentou tributos e empenhou receitas das alfândegas. Ganhou acesso ao capital, mas ao custo de comprimir investimento e de subordinar a política econômica a uma conta muito simples: antes de qualquer coisa, paga-se o credor externo, reduzindo toda a economia política nacional à criação de um ambiente confiável para os tomadores de dívida do Estado.

Um século depois, quando a América Latina adota a cartilha que ficou conhecida como Consenso de Washington, o roteiro se repete com outros atores e novas palavrinhas muito bonitas, como governança global, multilateralismo e responsabilidade fiscal.

Agora, o planejamento da economia não é arquitetado pelos bancos credores, mas pelo FMI ou pelo Banco Mundial: para ter financiamento, o país deve fazer superávit primário, abrir a conta de capitais, privatizar, reduzir o papel do Estado planejador da economia e da harmonia de interesses; tudo gira em torno de garantir que o serviço da dívida seja honrado integralmente. A elevação violenta dos juros nos Estados Unidos, com o choque Volcker, no início dos anos 1980, fez o serviço da dívida externa do Brasil disparar e empurrou o país para dentro desse regime. Em vez de discutir como financiar indústria, tecnologia e infraestrutura, passou-se a discutir como gerar dólares e superávits para pagar encargos antigos.

Esse tipo de ortodoxia parte da ideia de que o Estado é apenas um devedor potencialmente gastador e, portanto, precisa ser contido. O problema é que países em desenvolvimento precisam exatamente do contrário: um Estado capaz de coordenar crédito de longo prazo, de proteger setores nascentes e de investir à frente da demanda. 

Quando a prioridade fiscal é permanente e rígida, o orçamento fica travado em juros, aposentadorias de regimes antigos e contratos de serviços públicos privatizados, deixando pouco espaço para investimento público e para políticas industriais. Forma-se, assim, um sistema piramidal com rentistas no topo – bancos, fundos, concessionárias, detentores de títulos – que recebem primeiro e em moeda forte ou indexada, enquanto a indústria nacional, a ciência, a agricultura de maior valor agregado e os serviços produtivos ficam com o resíduo. Juros altos e câmbio instável empurram o empresário a aplicar em títulos ou a comprar ativos existentes, em vez de construir fábricas e expandir suas operações, porque a recompensa financeira de curto prazo é maior e o risco político e cambial é menor. O resultado é o crescimento sem transformação: o PIB até pode subir com commodities e consumo, mas a base produtiva não se aprofunda, não se diversifica e não desenvolve a economia real.

Como desenvolver um país que planeja sua economia exclusivamente para cumprir seus compromissos com a classe rentista? É preciso articular um projeto nacional de desenvolvimento da economia real. Austeridade fiscal e assistencialismo estatal não são remédios eficazes para a falta de produtividade enquanto nação.

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