O Brasil sem rumo no pós-globalismo

Publicado em 28 de Outubro de 2025

Certos países possuem um talento único para se posicionar estrategicamente no pior momento possível. O Brasil parece ter aperfeiçoado essa habilidade a níveis quase artísticos. No início do ano, enquanto figuras como Isabel Schnabel, do Banco Central Europeu e Keir Starmer estavam lamentando a morte anunciada do globalismo, o governo Lula insiste em defender o cadáver da ordem global mais danosa da história.

A atual gestão conseguiu a proeza de antagonizar os Estados Unidos com declarações seguidas sobre o “fim da hegemonia do dólar”, como na cúpula dos BRICS de julho, quando Lula proclamou que “não queremos um imperador”, enquanto simultaneamente corre atrás do prejuízo das relações com os EUA e “celebra” o “livre comércio” e aprofunda laços com a China. Pequim deve ter um departamento inteiro dedicado a enviar cartas de agradecimento ao Planalto. Afinal, que outro aliado tem a capacidade de ao mesmo tempo provocar seu principal rival e aceitar passivamente o papel de “celeiro do mundo”, sem cogitar uma reindustrialização?

A ironia maior é que estamos testemunhando precisamente aquilo que Adam Smith alertava quando disse que “a defesa é de muito mais importância do que a opulência.” Smith, tido como profeta dos evangelistas do livre mercado, defendia a proteção estratégica da indústria nacional. Quando Marco Rubio explicou o raciocínio por trás das tarifas, ele foi sucinto: “O mercado não é a economia.” Tradução: estamos reconstruindo nossa base manufatureira, e Wall Street que se acostume. O Brasil, incapaz de ler esses movimentos, continua a sacrificar sua indústria no altar da balança comercial. A relação Brasil-China reproduz o modelo colonial da época das navegações, mas agora o colonizador não precisa de canhões, basta deixar acreditem que vender soja é o caminho para o desenvolvimento. 

E há uma camada ainda mais profunda nessa confusão. Ao flertar com o discurso de “desdolarização” dos BRICS, o Brasil está acelerando não uma alternativa ao globalismo, mas a sua próxima fase. O FMI e o Banco de Compensações Internacionais trabalham nos sistemas de moedas digitais de bancos centrais, com seu plano de substituir o dólar por algo ainda mais centralizado.  Um Brasil desindustrializado é ainda mais vulnerável nesse novo sistema do que no atual. Estamos trocando a hegemonia do dólar pela hegemonia de algoritmos transnacionais, com a diferença que não teríamos nem mesmo uma base industrial para negociar autonomia.

As instituições globalistas se posicionam, como sempre, para tirar vantagem de qualquer conflito econômico que possa surgir de qualquer lado. Qualquer país que queira sobreviver não pode permitir que seu país seja usado como trampolim para o Great Reset pela sua falta de autonomia produtiva, ou pelo seu excesso de confiança no corpo insepulto que é o globalismo liberal.

David Ricardo desenvolveu sua teoria das vantagens comparativas em 1817, pressupondo imobilidade de capital, algo inexistente há um século. No mundo atual, que está redesenhando suas cadeias produtivas protegendo e reconstruindo suas indústrias, o Brasil continua acreditando que não contar com um mínimo de autonomia manufatureira é ousadia geopolítica. Um verdadeiro “reset” vai exigir que priorizemos a destruição das instituições, das ideias e dos atores internos que lucram com a subserviência do Brasil. Caso contrário, qualquer ação que o país tome poderá, em última análise, cimentar o seu lugar como bucha de canhão na guerra econômica vindoura, onde os únicos a serem levados a sério serão aqueles que tiveram a coragem de se colocar acima das ideologias nefastas do liberalismo.

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