O retorno de Hamilton e a crise de ansiedade da Faria Lima

Publicado em 13 de Outubro de 2025

O artigo publicado pelo Valor Econômico no domingo provocou calafrios na Faria Lima. Não porque trazia algo revolucionário, mas porque dizia o que nenhum liberal tropical tem coragem de admitir: o livre-comércio fracassou como projeto de desenvolvimento. 

O chefe do comércio americano, Jamieson Greer, afirmou sem rodeios que “soberania se produz, não se negocia”. Para um país dominado por bancos e planilhas, foi como ouvir uma blasfêmia.

Os Estados Unidos estão voltando a Hamilton.

Enquanto o Brasil ainda recita Friedman, o governo americano está relendo as Cartas sobre a Economia Nacional e o Relatório das Manufaturas. Ali, Alexander Hamilton explicava que a liberdade de uma nação depende de sua capacidade de produzir o que consome. “Quem depende de outros para o sustento depende de outros para o poder”, escreveu ele. Greer trouxe essa ideia ao presente ao afirmar que “o comércio deve estar a serviço de algo maior” e que a soberania “é uma mistura de autonomia e resiliência”.

Segundo ele, os Estados Unidos precisam de uma “economia de produção”, sustentada por uma grande classe média que trabalha, cria e acumula. Em suas palavras, “essa economia enfatiza uma sociedade que produz e cresce, em vez de uma pequena elite que extrai, realoca e esbanja”.

É uma crítica direta ao modelo globalista que o próprio Ocidente criou — e que o Brasil copiou sem entender. O livre-comércio, sem base produtiva, não gera prosperidade; gera dependência.

No Brasil, o debate econômico é guiado por bancos e consultorias que nunca fabricaram nada. Eles decidem a política industrial, a fiscal e a ambiental, sempre com o mesmo objetivo: preservar o rentismo. Chamam de populismo qualquer tentativa de planejamento, e de eficiência qualquer política que mantenha o Estado rendido à dívida.

A Faria Lima transformou o crédito em ideologia e o spread em símbolo de virtude.

O país virou um laboratório de subdesenvolvimento sofisticado, onde se celebra o equilíbrio fiscal mesmo que isso custe o emprego, a indústria e a soberania. Enquanto o governo americano volta a unir Estado, trabalho e moral produtiva, o Brasil ainda acredita que basta agradar o mercado.

Mas mercado não é pátria. Uma nação é que planta, que constrói, que transforma.

Hamilton entendia isso em 1791, quando escreveu que a manufatura era a garantia material da liberdade. Greer apenas repete, mais de dois séculos depois, que “uma nação de produtores é uma nação de cidadãos livres”.

O que os Estados Unidos estão fazendo agora é resgatar o papel político da economia — e isso é o que mais assusta o Brasil financeiro. Porque se o Estado voltar a pensar em desenvolvimento de longo prazo, os bancos perdem o monopólio sobre o futuro. O crédito deixa de ser fim e volta a ser meio. E a nação volta a ter projeto, não planilha.

Soberania não se decreta, se produz. E o Brasil só vai reencontrar a sua quando parar de entregar o próprio destino aos bancos. Até lá, a Faria Lima vai continuar precisando de Rivotril.

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