A entrevista de Ciro Nogueira ao Globo é mais do que uma tentativa de reposicionamento político. É o retrato da velha política tentando se disfarçar de equilibrada e sensata, enquanto se molda ao discurso que o sistema espera ouvir. Ciro fala como quem acredita estar conduzindo uma recomposição da direita, mas age como quem busca apenas o perdão das elites que nunca o respeitaram e que agora precisam de alguém para representar o papel de “adulto na sala”.
A narrativa é conhecida: o Centrão se apresenta como o eixo da governabilidade, a mídia se encarrega de promover o figurino da moderação e o mercado aplaude qualquer um que prometa estabilidade, mesmo que à custa da coerência. Nesse teatro, Ciro surge como a peça ideal. Fala em união, ponderação, previsibilidade, mas evita o que realmente importa. Em toda a entrevista, não há uma única menção à prisão ilegal de Jair Bolsonaro, tampouco à anistia. O silêncio é calculado. Falar disso significaria romper o pacto tácito com o sistema que ele pretende servir.
Ciro tenta se vender como mediador entre a direita popular e o establishment, mas o que oferece é apenas uma versão domesticada da política. O bolsonarismo representou a primeira ruptura real com o modelo de poder baseado em acordos e conveniências. O que incomoda em Bolsonaro não é o discurso, mas o fato de ter exposto a engrenagem que mantém Brasília, o Centrão, a Faria Lima e parte do Judiciário dentro do mesmo circuito de interesses. Ciro, consciente disso, fala em “bom senso” porque precisa se distinguir daquilo que não controla.
A retórica do “adulto na sala” é o disfarce do medo. Por trás do tom conciliador, está a velha ideia de uma suposta direita que deve se comportar, pedir licença e aguardar sua vez. O problema é que, ao fazer isto, se torna exatamente o que o sistema deseja: previsível, inofensiva e disponível para negociações que não mudam nada. O próprio Globo cumpre esse papel com maestria, apresentando o político que melhor traduz o consenso do momento, aquele que não ameaça nada, que fala bonito e não incomoda ninguém.
Enquanto o país enfrenta uma crise institucional profunda, a imprensa escolhe entrevistar quem não tem nada a dizer sobre ela. Ciro se refere ao Lula com cuidado e simpatia, evita tensionar, fala em responsabilidade e sugere que é possível dialogar com todos, desde que o jogo siga o mesmo. É o mesmo raciocínio que domina parte da Faria Lima, sempre pronta a negociar com qualquer governo desde que as taxas, os fundos e as relações de influência permaneçam intactas. André Esteves talvez ainda não seja o primeiro ministro informal, mas tudo indica que trabalha para ocupar esse posto.
O silêncio de Ciro sobre a anistia não é descuido, é sintoma. É o retrato de uma direita de conveniência, que prefere se adaptar a reagir. Uma direita que critica os excessos de todos, mas evita o confronto que poderia expor o desequilíbrio entre poderes. Uma direita que finge acreditar na normalidade democrática enquanto o país vive sob tutela judicial e dependência financeira. Um disfarce de direita, mas que aprendeu a calar quando o sistema dá o tom.
No fim, a entrevista não revela um projeto. Revela uma rendição. O Centrão segue sendo o que sempre foi, o biombo moral da elite política brasileira. E o Globo, como sempre, o veículo encarregado de dar a essa rendição o nome de maturidade.
Porque no Brasil, chamar covardia de equilíbrio continua sendo o último truque de quem quer permanecer no jogo, fingindo ter um lado sem incomodar o outro.