Hugo Motta, ao bater o martelo na escolha de Paulinho da Força como relator do projeto de anistia, rasga a última fantasia de que, para o Centro e o mercado, o processo da Anistia seja uma decisão política ou jurídica: para eles, nada mais é que um ato contábil. É o sintoma mais claro de que, em Brasília, a justiça deixou de ser um princípio para se tornar um ativo nas planilhas de negociação. O que está em curso despreza por completo o processo de pacificação que o país tanto precisa. É a precificação da liberdade de centenas de brasileiros em troca da estabilidade de curto prazo do sistema. Esta é a “Anistia de Planilha”.
A lógica é a mesma que rege o mercado financeiro: se a instabilidade econômica pode ser “precificada” para gerar lucro, a instabilidade jurídica e social também pode ser “gerenciada” para gerar capital político. A crise não é vista sob a lente da realidade, como uma injustiça a ser resolvida; ela é vista como um cenário a ser administrado. Para estes deputados as pessoas deixam de ser pais e mães, filhos e filhas, cidadãos clamando por direitos para se tornarem meras “variáveis de ajuste” na equação do poder.
Tratar princípios como variáveis traz consigo um preço altíssimo a se pagar. Em 1938, o primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain retornou de Munique celebrando um acordo que garantiria a “paz para o nosso tempo”. Ele havia negociado com a tirania do Terceiro Reich, acreditando que a conveniência de um acordo supera o princípio da resistência. A história mostrou a ele e ao mundo que a paz obtida ao sacrificar a justiça e os princípios é apenas a antessala de um conflito muito maior.
A tentativa de costurar um “acordo possível” para a anistia traz tal erro estampado na testa. Ao optar por uma solução de conveniência, o sistema político escolhe o caminho de Chamberlain: trazer a ilusão de calma hoje, ao custo da erosão total da confiança e da previsibilidade amanhã.
Quando a justiça se torna negociável, a segurança jurídica evapora. A mensagem enviada ao país e ao mundo é a de que não existem regras, apenas interesses momentâneos. Para o cidadão comum, isto gera desamparo. Para os homens que tomam as decisões econômicas, gera a incerteza que paralisa investimentos e sabota qualquer visão de futuro. Este câncer sistêmico é mais perigoso que qualquer crise pontual.
A única posição possível não é uma carta na mesa de negociação, mas a própria mesa. A Anistia Ampla, Geral e Irrestrita não pode ser vista como um mero ponto de partida para a costura de um acordo, mas precisa ser entendida como a única solução que restaura o princípio da justiça acima da conveniência. A contabilidade do poder que transforma a liberdade em um número eleitoral não pode, mais uma vez, vingar no país.
A elite nacional enfrenta uma escolha essencial. Ela pode endossar um acordo que oferece a calma temporária de um problema tanto pontual quanto sistêmico, ou pode defender uma solução baseada em princípios que garanta a paz duradoura. A primeira opção é uma aposta na planilha dos caciques partidários. A segunda, uma aposta no Brasil.