A ideia de que o sistema financeiro está isolado das atividades do crime organizado já não se sustenta há muito tempo. Ao contrário do que se costuma repetir, não são apenas pequenos grupos locais que operam a lavagem de dinheiro oriundo de drogas e mineração ilegal. O que se vê hoje é uma integração funcional entre bancos, grandes centros financeiros e estruturas ilícitas, com volumes que ultrapassam a escala de muitos orçamentos nacionais.
A lavagem de dinheiro nunca foi de fato combatida. O que existe é a centralização desse processo. A legislação global, vendida como instrumento de controle, na prática, apenas garantiu o monopólio da lavagem aos bancos autorizados. Empresas quebram, dirigentes vão presos, mas instituições bancárias seguem impunes — quando muito, pagam multas. Não faltam exemplos: o BES em Portugal, o Credit Suisse em Paris e, mais recentemente, o Banco Safra na Suíça. Todas resolveram seus problemas com o pagamento de acordos. Nenhuma perdeu a licença. Nenhuma saiu de operação.
É dentro desse cenário que se entende por que o tráfico de drogas continua sendo um negócio tão lucrativo. E por que cresce mesmo com o discurso constante de combate por parte dos governos. O mercado europeu já superou os Estados Unidos como o principal destino da cocaína. E boa parte da droga que chega ao continente sai da América do Sul, especialmente da Venezuela e do Brasil. As rotas passam pelo Caribe, por aeroportos secundários, por portos negligenciados. A cocaína movimenta cifras bilionárias. E esse dinheiro precisa de canais para circular.
Na outra ponta, o ouro. Um produto com valor consolidado, difícil de rastrear, fácil de armazenar e que serve como ativo líquido em qualquer parte do mundo. A extração ilegal de ouro disparou. Em 2022, mais de 435 toneladas foram contrabandeadas da África, segundo a Swissaid. No Peru, o regulador já admite que 40% do ouro exportado é fruto de atividades ilegais. Esse ouro abastece mercados como os Emirados Árabes Unidos e a Suíça — centros que operam tanto refino quanto revenda, com pouquíssima fiscalização. O mercado de Dubai, o Souk, funciona a céu aberto, com dezenas de lojas operando em dinheiro vivo. O controle sobre a origem é praticamente inexistente.
Esse fluxo também passa pelo Brasil. A Amazônia se tornou um corredor logístico onde drogas, ouro e armas circulam com facilidade. Em Itaituba, considerada por muitos a capital não oficial da lavagem de dinheiro no país, tudo isso é operado sob o olhar complacente das autoridades. Garimpos ilegais, pistas clandestinas, aeronaves leves e fuzis de guerra compõem a infraestrutura desse mercado. Facções como o PCC e o Comando Vermelho já dominam áreas indígenas, fornecendo desde segurança até insumos para mineração e tráfico.
A interligação entre essas atividades é intencional. Ela se apoia em uma estrutura financeira desenhada para receber os recursos, redistribuí-los e legalizar os lucros. Tudo isso se dá no centro do sistema. Grandes bancos figuram com frequência em operações e reportagens, mas as consequências proporcionais quase nunca se concretizam. A impunidade não é exceção, é regra.
Enquanto as atenções se voltam para os aviões apreendidos ou para os barcos interceptados, pouco se fala dos fluxos bancários que sustentam toda a engrenagem. O combate ao crime termina na superfície. Os beneficiários reais seguem operando com discrição, protegidos por conexões políticas, blindagem institucional e a aparência de respeitabilidade.
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