Publicado em 30 de Agosto de 2025
O Brasil vive uma crise institucional que já não se limita ao debate interno. Em Washington, as sobretaxas e a investigação aberta sob a seção 301 não surgiram por acaso: são consequência de sinais acumulados de instabilidade, de falta de previsibilidade e de um alinhamento cada vez mais explícito com interesses contrários aos americanos. A pressão dos EUA, nesse cenário, não aparece como iniciativa isolada, mas como reação previsível ao ambiente criado em Brasília.
A decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o Marco Civil da Internet estimula essa reação. Ao ampliar a responsabilidade das plataformas digitais, o tribunal alterou uma regra que oferecia previsibilidade mínima às empresas de tecnologia. Aqui, a medida é apresentada como defesa de direitos. Lá fora, a percepção é de insegurança regulatória. Para as big techs americanas, operar no Brasil significa lidar com riscos crescentes e regras instáveis. Esse quadro reforça os argumentos de Washington para sustentar o avanço do 301 Act.
Na mineração, a indiferença do governo à venda das minas de níquel da Anglo American para a MMG – estatal chinesa ligada à China Minmetals – teve efeito imediato. O níquel é um insumo essencial para o aço inoxidável e para setores de alta tecnologia. Nos EUA, o movimento foi lido como mais um passo da China para ampliar seu controle sobre cadeias críticas, agora também a partir de território brasileiro. A Associação de Siderúrgicas Americanas reagiu e levou o caso diretamente à administração Trump. A ausência de uma iniciativa diplomática por parte de Brasília para mitigar tensões reforçou a impressão de alinhamento automático com Pequim.
No campo institucional, a fragilidade também se repete. O recuo do governo na criação de uma agência nacional de combate às máfias, após pressão da Polícia Federal, enfraqueceu uma proposta que poderia ter sinalizado ao mundo a disposição do Brasil em enfrentar o crime organizado. Ao desistir, Brasília passa a imagem de um Estado que não consegue consolidar instrumentos internos de governança e segurança. Em meio a um cenário global em que crime e economia se cruzam, essa percepção pesa.
A tudo isso soma-se o acordo cambial de R$ 157 bilhões firmado com a China. O swap fortalece o uso do yuan no comércio bilateral e reduz ainda mais o espaço do dólar. O Banco Central apresenta a operação como um mecanismo técnico de liquidez, mas a leitura política é imediata: mais um gesto de aproximação com Pequim, em contraste com a ausência de sinais de distensão com Washington.
O conjunto desses episódios deixa claro o padrão. Em áreas distintas — regulação digital, mineração, segurança institucional e política cambial — o governo brasileiro reforça a imagem de risco, dependência chinesa e vulnerabilidade. Para os EUA, esse acúmulo não exige esforço de interpretação: serve como base para tarifas adicionais, investigações e maior pressão.
A crise interna contaminou a percepção externa. Ao invés de projetar estabilidade e ampliar sua capacidade de negociação, o governo opta por caminhos que legitimam o aumento da pressão americana. O efeito é um Brasil mais frágil, com menos soberania real e cada vez mais condicionado a fatores que não controla.