A política brasileira vive de gestos. Alguns simbólicos, outros teatrais. Mas, em certos momentos, eles se tornam taticamente eficazes. Foi o que se viu na última semana, quando a oposição utilizou os instrumentos regimentais para travar os trabalhos legislativos — na Câmara e no Senado — até obter um compromisso explícito da presidência da Casa: a promessa da pauta da anistia aos investigados do 8 de Janeiro.
Não se trata de idealizar o Congresso ou transformar parlamentares em referência de ação cívica. Política é correlação de forças, e parlamentares se movem quando há custo por inércia. Ainda assim, o episódio serve como alerta: quando a oposição atua de forma coordenada, com propósito definido e capacidade real de sustentar a obstrução, ela deixa de ser decorativa e passa a interferir no fluxo institucional. E quando interfere, obriga o sistema a recalcular. Foi exatamente o que aconteceu.
O compromisso pela anistia não voltou à pauta por princípio. E ainda que não tenha sido pautada formalmente, tornou-se politicamente mais arriscado ignorá-la do que prometer encaminhamento. A cena dos deputados ocupando a Mesa Diretora teve valor simbólico, mas o peso real veio da obstrução conjunta: retirada de quórum, travamento de votações, prolongamento de sessões e esvaziamento deliberado da agenda. O recado foi direto, inequívoco: sem avanço na pauta da anistia, nenhuma outra avançaria. O centro político entendeu que manter a paralisia era mais custoso do que ceder à pressão.
O presidente da Câmara, Hugo Motta, entendeu que sustentar o impasse significava estender a paralisação do Congresso por tempo indeterminado, com risco de perda de controle sobre o próprio andamento da Casa. A promessa de pautar a proposta não foi gesto de boa vontade. Foi uma resposta à pressão direta e contínua. E a pressão só funcionou porque partidos que em geral atuam de forma fragmentada — como PL, PP, União Brasil, Republicanos, PSD e até o Novo — decidiram convergir em torno de um ponto específico. Não houve unidade ideológica. Houve conveniência estratégica. E, dentro do jogo político real, isso basta para alterar o rumo.
A obstrução teve método, continuidade e objetivo definido, não foi mera encenação. E funcionou porque o custo político de ignorá-la superaria o custo de ceder. Essa é a lógica crua do Legislativo: não há espaço vazio. Quem ocupa o processo com inteligência leva a pauta à mesa. E quem espera por reconhecimento espontâneo, perde tempo.
Deputado não precisa de elogio. Precisa ser lembrado de que só se move quando pressionado. Mas é necessário registrar: houve eficácia. E num cenário em que a oposição frequentemente atua de forma desarticulada e reativa, o episódio mostrou que, com estratégia, é possível alterar o curso dos acontecimentos. Não por mérito, mas por desgaste imposto e bem operado.
A anistia ainda não foi pautada. Mas há um compromisso formal de que será. E isso, por mais desconfortável que seja para certos setores, mostra que o sistema ainda reage à força — desde que ela seja real, organizada, persistente e concentrada no ponto certo.