Fraga não percebeu ou fingiu não ver? A crise que só virou problema quando converteu-se em custo

Armínio Fraga resolveu se pronunciar. Atribuiu as tarifas aplicadas pelos Estados Unidos a um “canal político” e alertou para os riscos de interferência externa. Mas sua fala escancara algo ainda mais grave: a reação tardia de quem passou anos ignorando o que estava diante dos olhos. A crise institucional brasileira não é consequência de uma tarifa. Começou com a erosão progressiva de garantias, com a flexibilização de princípios, com a construção silenciosa de um ambiente onde a exceção virou regra. E Fraga, como parte da elite liberal brasileira, foi um dos que mais se esforçaram para fingir que nada disso era relevante — até o custo aparecer.

Durante anos, a narrativa dominante foi a da estabilidade. Não importava o preço. Se o regime entregava previsibilidade mínima para o mercado, o resto era tratado como ruído. Violações a direitos fundamentais? “Exageros da oposição.” Concentração de poder sem freios? “Parte do jogo democrático.” Decisões excepcionais sem base jurídica clara? “Reações necessárias ao extremismo.” Tudo era relativizado. Desde que o boletim Focus não assombrasse.

Agora, quando o cenário externo começa a precificar a instabilidade institucional como risco real — e não mais como peculiaridade doméstica —, os liberais se dizem surpreendidos. Mas surpresa só existe quando há ignorância. E, neste caso, a ignorância foi por conveniência.

Fraga fala em “interferência”, mas ignora que a maior interferência foi a omissão interna. Enquanto o sistema caminhava para um modelo de governança opaco e concentrado, os principais formuladores de política econômica escolhiam o silêncio. Chamavam isso de pragmatismo. Na prática, era cumplicidade.

A sanção internacional aplicada a um membro de alto escalão do Judiciário, foi baseada em normas globais de direitos humanos. E isso não acontece por capricho. O sistema financeiro internacional opera com protocolos de risco, e muitos fundos institucionais são obrigados a se afastar de jurisdições onde há indícios formais de violação a princípios fundamentais. Não se trata de militância, mas de blindagem reputacional e contenção de danos.

Fraga preferiu tratar a reação externa como exagero. Talvez porque admitir o contrário o obrigaria a reconhecer que a suposta estabilidade que tanto defendeu era uma fantasia sustentada por omissão. A verdade é que a crise institucional só virou escândalo quando atravessou a fronteira e chegou ao caixa. Antes disso, era tratada como detalhe.

A tarifa é detalhe. O incômodo vem do colapso da narrativa. A elite liberal acreditou que dava para separar economia da institucionalidade, como se o Brasil fosse um experimento em que se controla tudo, menos o risco político. Agora está claro que esse modelo fracassou. E que o preço da omissão é sempre mais alto do que o da prevenção.

Mais do que entender a reação norte-americana, importa saber por que Armínio Fraga ignorou os sinais por tanto tempo.

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