Quando o Sistema Pede Trégua: A Repetição como Sintoma de Ruína

Publicado em 02 de Agosto de 2025

A repetição, em política, quase nunca é sinal de firmeza. Quando o mesmo personagem volta à cena com o mesmo discurso, em tempo tão curto, é porque o sistema perdeu o controle sobre os próprios códigos. O artigo de José Sarney publicado nesta semana — o segundo em poucos dias — não é um gesto de reflexão serena. É um alerta interno. Um pedido de trégua. Um apelo para que os fiadores do regime não deixem a engrenagem travar de vez.

Sarney não é comentarista: é oráculo do regime. Não escreve para o público geral, mas para os iniciados. Seu papel é oferecer uma aparência de sabedoria ancestral a um sistema que, na prática, se mostra cada vez mais errático e frágil. Ao escrever sobre “paz”, Sarney não propõe reconciliação — tenta preservar o pacto. A paz evocada ali não é entre opostos ideológicos. É entre os sócios do próprio arranjo institucional que começa a se desfazer pelas beiradas.

A proximidade entre os dois artigos revela mais do que a mensagem em si. Mostra que o primeiro conteúdo não deu conta do recado. Foi preciso repetir. Reforçar. Insistir. E isso não acontece por acaso. A repetição é o sintoma de que a autoridade do discurso já não é suficiente. É quando o sistema precisa convencer a si mesmo de que ainda há coesão. Quando um regime precisa de reforço simbólico constante, é porque está perdendo a capacidade de operar pelo silêncio.

Esse tipo de manifestação não fala com o povo; não busca formar opinião pública. É redigido no idioma do sistema, com destinatário específico: ministros, parlamentares, banqueiros, operadores jurídicos e políticos que sustentam, com mais ou menos entusiasmo, a normalidade aparente. Quando essa elite precisa ser lembrada do próprio pacto, é porque ela mesma já cogita abandoná-lo.

E o tom dos textos entrega esse receio. Não há grandiloquência, nem gesto de poder. Há melancolia e apelo. Há a tentativa de restaurar uma liturgia que já não mobiliza nem mesmo os devotos. Há o esforço de dar ao momento um verniz de continuidade, quando o que se vive é exatamente o oposto: um colapso sutil da autoridade institucional.

O sistema pede trégua quando sente que está ficando só; tão logo percebe que o discurso de estabilidade perdeu credibilidade até entre os aliados; quando teme que a rachadura vire ruptura. Daí o tom brando, o uso de símbolos. Por isso a escolha de Sarney — a última figura capaz de falar como se ainda houvesse alguma nobreza no colapso.

Mas não há. Há apenas o ritual de repetição. E a tentativa, cada vez mais visível, de colar os cacos antes que a narrativa vire escombro público.

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