Investir em Que País? A Falácia do Otimismo Técnico em Cenário de Sanções e Colapso Jurídico

Há algo de profundamente disfuncional na forma como parte do mercado financeiro brasileiro responde ao agravamento da crise institucional do país. Diante de um tarifaço inédito imposto pelos Estados Unidos — não como represália comercial, mas como reação direta à deterioração do ambiente jurídico e democrático — gestores seguem publicando relatórios, discutindo ativos e tentando extrair racionalidade técnica de um cenário que já perdeu toda previsibilidade institucional.

Essa dissonância não é nova, mas atinge um novo grau de irrealidade quando, mesmo diante de medidas que indicam a aproximação de sanções coordenadas, ainda se fala em “realocação de portfólio” e em “oportunidades de curto prazo”. Como se o problema fosse conjuntural, resolvível por ajustes táticos, e não estrutural, com raízes no colapso do pacto constitucional que garantia ao Brasil um mínimo de estabilidade contratual e segurança regulatória.

O caso XP é emblemático. Enquanto a Casa Branca envia uma carta formal ao governo brasileiro sinalizando condições claras para reverter medidas restritivas, o Chief Information Officer (CIO) da gestora discute onde alocar capital em meio à turbulência. Não há espaço para surpresa. Essa é a mesma lógica que naturalizou juros reais de dois dígitos e câmbio volátil como parte do “risco Brasil”, sem jamais perguntar por que esse risco permanece estrutural há décadas. A resposta está no ponto cego do próprio mercado: a recusa em admitir que a instabilidade não é econômica, mas institucional.

A leitura equivocada do momento atual tem custo. Quando um país perde o status de jurisdição confiável, não é o ativo A ou B que se desvaloriza — é o próprio sentido de manter capital produtivo naquele território que se desfaz. Investir em um país com regras elásticas, contratos vulneráveis e perseguição política não é uma decisão técnica. É um salto no escuro.

A falácia do otimismo técnico repousa na crença de que o mercado é capaz de abstrair a política e operar acima das instituições. Mas não existe fluxo de caixa que sobreviva à corrosão do Estado de Direito. O investidor estrangeiro já entendeu isso. O investidor local, ainda não. E enquanto fingir que é possível extrair retornos de um ambiente que implode por dentro, contribuirá, com sua própria inércia, para a continuação do colapso.

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