O tarifaço de 50% imposto pelos Estados Unidos aos produtos brasileiros revelou mais do que uma disputa comercial: escancarou uma crise de credibilidade institucional que já vinha sendo convenientemente ignorada há meses. Enquanto o governo repete frases prontas sobre soberania e o Itamaraty convoca comitês para “negociar”, o Congresso se esquiva do único debate que realmente importa: o da normalidade institucional. E ao fazer isso, empurra o Brasil ainda mais fundo num processo de desindustrialização silenciosa, mas programada.
O empresariado finge surpresa com as tarifas, como se fossem apenas uma reação protecionista isolada. Mas o mercado sabe ler sinais. E o sinal que o Brasil emite hoje é o de um país em que a instabilidade jurídica virou regra, e a perseguição política, rotina. Nenhuma diplomacia técnica vai reverter uma tarifa que, na prática, representa um alerta geopolítico. A anistia, por mais incômoda que seja para certos setores, virou o ponto de inflexão. Ignorá-la é fingir que a crise institucional não existe.
Enquanto isso, o Congresso — que deveria ser o centro racional da política — se recusa a agir. A justificativa é sempre a mesma: “não podemos ceder à pressão externa”. Mas essa neutralidade performática serve apenas para blindar os próprios parlamentares de qualquer desgaste político. A conta, como sempre, é repassada ao setor produtivo. O custo da omissão legislativa se converte em tarifas, perda de competitividade, retração industrial e fuga de investimentos. O Brasil já não é apenas caro — é instável. E risco institucional, no mundo real, custa mais do que juros.
O mais grave é que essa passividade encontra aplauso em parte do mercado financeiro, que se beneficia da erosão da indústria nacional. Com menos concorrência produtiva, mais espaço para rentismo, para arbitragem de ativos, para o lucro descolado da realidade material do país. Enquanto as fábricas fecham, os fundos operam com previsibilidade matemática. A instabilidade, que paralisa o chão de fábrica, favorece quem lucra com o colapso do setor. A desindustrialização se tornou conveniente — até lucrativa — para quem acredita que o PIB pode crescer sem motor próprio.
A elite econômica que hoje silencia diante do colapso institucional é a mesma que amanhã cobrará do Estado subsídios, desonerações e linhas de crédito para setores já enfraquecidos. É um ciclo de dependência disfarçado de tecnocracia. E nesse ciclo, a Câmara deixou de ser um poder moderador para se tornar um ator omisso. Ao se recusar a votar a anistia por cálculo político, terceiriza a crise institucional para o Executivo e lava as mãos como se nada estivesse em jogo.
Mas está. O Brasil está em jogo. E continuar tratando a anistia como um tema separado da crise econômica é o tipo de miopia que destrói países por dentro. A desindustrialização não é mais consequência. É projeto. E o Congresso, ao que tudo indica, já escolheu não atrapalhar.