A Faria Lima, epicentro financeiro de São Paulo, está agora com medinho e avaliando o risco do PCC em seus investimentos. A notícia de que o Primeiro Comando da Capital infiltrou-se em fintechs, fundos e licitações públicas ecoa com um tom de “surpresa”. Beira o inacreditável.
Não se trata apenas de violência nas ruas; o crime organizado aprendeu a operar nas sombras da economia formal, trocando fuzis por contratos, extorsão por participação societária e tráfico por CNPJs.
A ascensão silenciosa e gradual poderia e deveria ter acionado alarmes. Já se discutiu com frequência os avanços dessas organizações, suas presenças em diversos países – expandindo rotas de tráfico e lavagem de dinheiro – e, mais grave ainda, o financiamento da bandidagem em campanhas eleitorais, corroendo a base da democracia por dentro.
Mas enquanto o “cheiro da pólvora” não chega ao ar-condicionado dos escritórios elegantes, a elite financeira segue vivendo numa bolha de indiferença. O foco para pautas como ESG e diversidade que serviram como uma cortina de fumaça conveniente para desviar o olhar do que realmente importava: a origem do capital e a integridade das operações.
A prioridade era a construção de uma reputação imaculada e a busca incessante por lucro, nem que para isso fosse preciso ignorar os sinais óbvios. Em vez de investir pesadamente em sistemas de rastreamento de dinheiro sujo ou em equipes dedicadas à investigação de redes societárias complexas, o mercado financeiro virou os olhos para metas de carbono e narrativas “bonitinhas”. A violência explícita, que antes definia a imagem dessas organizações, foi substituída por uma infiltração sutil, mas igualmente devastadora, no tecido econômico. O crime se sofisticou, entrou no jogo dos grandes e agora, ironicamente, ameaça às margens de lucro que tanto defendem.
A resposta atual? Um clamor por mais compliance e mais regulação. É como se a culpa fosse da falta de regras, e não da escolha deliberada de ignorar o que estava acontecendo bem debaixo do nariz de todos. Esses que hoje se dizem chocados são os mesmos que, por anos, fecharam os olhos enquanto o sistema apodrecia por dentro, se beneficiando da conveniência de não ver e, em muitos casos, da lucratividade de não perguntar.
A Faria Lima não é uma vítima inocente; ela é uma das engrenagens desse sistema. Lucraram em silêncio, se beneficiaram da conveniência de não investigar a fundo e, agora, fingem que não tem nada a ver com isso. A verdade é que a infiltração do crime organizado é um sintoma da falha de um sistema que prioriza o lucro acima da ética e da vigilância. Não há solução verdadeira enquanto essa cegueira seletiva persistir. A responsabilidade é mútua, e a Faria Lima, com seu poder e influência, que agora tem medo das facções, antes de tudo, tem uma dívida imensa com a sociedade que ignora.