A Arquitetura da Indulgência: Quando a Lei Protege Quem Ameaça o Estado

No Brasil, a legalidade não é necessariamente uma barreira para o crime organizado. Pelo contrário — ela funciona, em muitos casos, como uma zona de conforto. Quando o G1 se pergunta por que o PCC não é considerado um grupo terrorista, a resposta é protocolar: falta motivação ideológica. A facção atua por lucro, não por convicção. Logo, segundo a letra fria da lei, não há terrorismo, apenas crime.

Essa leitura, embora juridicamente precisa, é politicamente reveladora. O que está em jogo não é apenas a tipificação penal, mas a função estrutural que esse tipo de ambiguidade cumpre no modelo brasileiro. A violência exercida por grupos como o PCC não desafia diretamente os centros de decisão do Estado. Ela se acomoda nas brechas, explora as zonas autônomas toleradas, mantém uma certa previsibilidade funcional. O problema, então, não é a brutalidade dos meios — é a ausência de discurso. Não tendo narrativa ideológica, o crime organizado é interpretado como risco controlável. E, como tal, administrável.

O problema maior não é o fato de o PCC não ser tratado como organização terrorista. A verdadeira pergunta incômoda é: por que o sistema jurídico finge neutralidade diante de um poder paraestatal que já governa territórios? A resposta, em parte, está na conveniência. A formalização da criminalidade — com seus códigos, seus acordos, sua capacidade de negociação — cria um tipo de estabilidade subterrânea. Reconhecer o PCC como ator político e desestabilizador exigiria uma revisão da própria arquitetura de governabilidade periférica.

A imprensa, ao reproduzir esse enquadramento técnico sem incômodo, cumpre um papel silenciosamente estabilizador. Ao dizer que “não há terrorismo”, o subtexto é: “não há urgência”. O terror só seria reconhecível se viesse acompanhado de uma ideologia explícita. Um manifesto, uma bandeira, um símbolo — não bastam armas, execuções, controle territorial e toque de recolher. A estética da violência não é suficiente. É preciso uma narrativa. E é justamente aí que o PCC se protege: não narrando.

Enquanto isso, o Estado reserva sua energia punitiva para grupos com rosto, linguagem e propósito político. Organizações ideológicas são perseguidas por antecipação; facções que funcionam como empresas armadas são tratadas como patologias locais. A repressão se guia menos pela ameaça real e mais pela inteligibilidade simbólica do adversário. O que pode ser identificado, contestado ou nomeado entra na mira. O que opera fora desse campo permanece intocado, porque gera renda, impõe ordem informal e não exige do sistema mais do que tolerância silenciosa.

No fundo, o PCC não foge da definição de terrorismo. A definição é que foi cuidadosamente desenhada para deixá-lo de fora.

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