O crepúsculo da soberania brasileira na nova era digital

A economia mundial passa atualmente por turbulências estruturais e políticas, sinalizando a necessidade de construção de uma nova arquitetura econômica. O sistema econômico internacional, baseado em dívidas eternas, déficits estatais e rolagem de dívida por meio de títulos públicos, está desmoronando. Não é possível sustentar os gastos do Estado de bem-estar social sem sacrificar a possibilidade de crescimento econômico, tão essencial para o bem-estar humano quanto a presença e organização do Estado. É fácil supor que os arquitetos dessa política econômica tenham previsto o colapso desse modelo, ou mesmo o tenham criado propositalmente instável, para que seu substituto fosse uma arquitetura de governança ainda mais globalizada, centralizada e burocrática.

Essas turbulências e crises destroem as estruturas que fundamentam a soberania das nações, justamente em um período de avanço tecnológico vertiginoso. A destruição destes fundamentos refere-se a tudo o que possibilita a autodeterminação nacional, a independência e o poder de reação diante de agentes estrangeiros e globalistas.

Aristóteles tratou da necessidade da αὐτάρκεια (autárkeia), que significa, em linhas gerais, autossuficiência, independência. No grego antigo, autárkeia definia a condição de algo ou alguém que bastava a si mesmo, sendo pleno em sua suficiência, sem depender de forças externas. Desse substantivo, formou-se o adjetivo autárkēs, que qualificava aquilo que possuía essa suficiência — daí, por via de latinização e modernização linguística, surge em português o termo “autárquico”, conservando o mesmo espírito: aquilo que se governa

Em sua obra “Política”, Aristóteles aplica o conceito de autárkeia às cidades-estado (pólis). A pólis ideal é aquela suficientemente independente e capaz de prover, por meio da cooperação de seus cidadãos, tudo o que for necessário para uma vida virtuosa e estável. Uma comunidade politicamente autárquica é, portanto, economicamente sustentável, socialmente harmônica e politicamente equilibrada, sem depender excessivamente de outras cidades ou comunidades externas.

Considerando o quadro geral, nota-se que o Brasil não está construindo essa independência diante do mundo. Parece mero instrumento nas mãos de elites locais e internacionais. Será que o País não tem, dentro de suas fronteiras, quase tudo o que é necessário para sobreviver, prosperar e se posicionar no cenário internacional?

As crises enfrentadas pelo Brasil, pelo mundo e pelo sistema internacional baseado em regras, somadas à ascensão do tecnofeudalismo e à nova dinâmica de “capital-nuvem” – um novo tipo de capital que se baseia em plataformas digitais e infraestruturas tecnológicas, como nuvens, redes e algoritmos – acentuam esse questionamento. A ascensão do capital-nuvem delineia uma transformação profunda nos fundamentos da atual arquitetura econômica, gerando uma mudança estrutural na forma como o valor é produzido, extraído e acumulado na economia digital. Neste novo cenário, algumas poucas corporações passam a controlar as infraestruturas digitais essenciais: armazenamento em nuvem, capacidade computacional e serviços de inteligência artificial.

Empresas como Google, Amazon, Microsoft e Apple não apenas dominam segmentos específicos do mercado digital, mas também detêm os meios pelos quais praticamente todos os outros setores da economia precisam operar, seja pela hospedagem de dados, distribuição de conteúdos, ou utilização de algoritmos preditivos.

Assim, a infraestrutura digital que sustenta a economia global torna-se uma espécie de território monopolizado, disponibilizado mediante o pagamento recorrente de taxas ou “aluguéis” tecnológicos. Em um contexto em que as infraestruturas digitais estão sob controle das grandes corporações, a manutenção da independência e autonomia requer a proteção dos direitos civis, de propriedade e da cidadania. No entanto, o Brasil segue na direção contrária, promovendo mais controle centralizado na internet e suprimindo direitos civis; não há construção de autonomia nem um projeto consistente de estruturação da soberania nacional. O que existe é apenas uma luta feroz entre os novos senhores tecnofeudais e o establishment nacional para definir quem consegue oprimir e explorar mais o povo brasileiro.

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