O campo de batalha global já não é físico. Soberania, hoje, se mede por quem controla fluxos: de energia, de dados e de narrativas. O Brasil, em vez de estruturar uma doutrina de defesa digital, optou por integrar voluntariamente uma arquitetura internacional onde o controle da percepção substitui o da lei. Não se trata de proteger fronteiras, mas de blindar versões autorizadas da realidade. A nova guerra é semântica. E o país se posiciona como objeto da dissuasão estratégica, não como sujeito.
A China antecipou esse modelo. Contra Taiwan, desenvolveu o conceito de “colapso por percepção”: não é preciso bombardear; basta desorganizar a coesão interna e desestabilizar a confiança pública. Redes sociais, comunicações, energia e logística foram mapeadas como pontos frágeis. A lógica é clara: quem domina o fluxo narrativo domina o território, sem precisar cruzar a fronteira. O TikTok tornou-se central nessa doutrina — não por promover propaganda direta, mas por induzir priorizações, calibrar algoritmos, invisibilizar contrapontos e operar com neutralidade fingida.
O Brasil, em vez de reagir, absorveu essa lógica como norma. A prioridade institucional já não é proteger a privacidade, nem garantir a neutralidade da rede, tampouco discutir autonomia digital. A preocupação é disciplinar vozes. O Marco Civil da Internet, criado para blindar o cidadão, vem sendo reinterpretado para proteger o Estado. O Artigo 19 previa que conteúdos só poderiam ser removidos por decisão judicial específica. Mas foi esvaziado por decisões amplas, genéricas e preventivas. O tipo penal desapareceu; o arbítrio ficou.
Nesse cenário, a presença de Janja no TikTok não é espontânea — é sintomática. A política de comunicação do governo se reconfigura como extensão simbólica de uma arquitetura de influência. Sai o burocrata do bastidor, entra a figura carismática como filtro popular da versão oficial. O TikTok se torna uma ponte entre estética afetiva e disciplina narrativa. Não é rede social. É vetor estratégico.
O acordo com a UNESCO para “combate à desinformação climática” consolida a engrenagem. A linguagem é vaga por desenho: permite enquadrar como “tóxica” qualquer crítica ao ecologismo de mercado. Blindam-se premissas, não fatos. O debate público passa a operar dentro de uma cerca moral — e qualquer tentativa de atravessá-la vira “ataque à democracia”. O objetivo não é regular excessos, mas inviabilizar dissensos.
O risco não é a ditadura digital no modelo clássico. O risco real é um sistema de submissão informacional: tecnocrático, multilateral e legitimado pela linguagem da responsabilidade pública. O Brasil não está construindo uma defesa. Está se adaptando para ser governado por consensos definidos fora.