Por: Lorenzo Carrasco e Geraldo Luís Lino
O Brasil acaba de receber uma lição prática de que o discurso ambiental das potências do Hemisfério Norte não passa de uma fachada ideológica para os seus interesses políticos e econômicos. E o contraste com o posicionamento oficial do País em relação ao tema não poderia ser mais marcante, em pleno detrimento dos interesses nacionais.
O palco foi a Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos (UNOC), em Nice, França (9-13 de junho). Ali, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da indefectível ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, o Brasil lançou a proposta da “NDC Azul”, a qual pretende estender aos oceanos as metas climáticas das chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), incluindo o compromisso da eliminação gradual da produção de petróleo e gás offshore.
O anúncio, sem surpresa, foi feito pela flamante ministra-militante, que afirmou a intenção do governo brasileiro de levar o tema ao centro das discussões da vindoura conferência climática COP30, em Belém (PA), em novembro.
“Este é um momento decisivo na nossa jornada coletiva para proteger o oceano e responder à crise climática global”, disse ela, em um evento promovido em conjunto com o governo da França (Cenário Energia, 10/06/2025).
Além da anfitriã, a bizarra iniciativa foi endossada pela Austrália, Fiji, Quênia, México, Palau e Seychelles (curiosamente, Brasil, França e México são importantes produtores de hidrocarbonetos no mar).
Detalhe relevante: atualmente, nada menos que 95% da produção brasileira de petróleo e gás natural provém de campos marítimos, que também respondem por 97,4% das reservas conhecidas de petróleo e 83% das de gás.
Mas o melhor ficou por conta do presidente anfitrião, Emmanuel Macron, que foi direto na jugular da exploração da Margem Equatorial Brasileira (MEB), afirmando que o projeto “não é bom para o clima” e que “há outros projetos alternativos que permitem criar empregos e gerar valor” (Poder360, 11/06/2025).
A advertência de Macron foi feita em um programa da rede France 2 dedicada à UNOC, após a exibição de um vídeo do cacique-celebridade Raoni Metuktire, no qual pediu ao presidente francês que o ajudasse a “deter esse projeto”.
Macron anuiu e afirmou que pretende “tentar convencer” Lula em Belém. Segundo ele, a França “adotou uma proibição para esses projetos” (sic) e acredita que “seria bom” se o Brasil fizesse o mesmo. Mas aduziu que “não cabe a mim dar lições”: “Acredito ser fundamental promover um diálogo entre o Norte e o Sul global, para que possamos incentivá-los a abandonar esses projetos e encontrar outras formas de gerar crescimento, que são essenciais para o desenvolvimento deles.”
O que ele não disse foi que a “proibição” francesa se limita aos seus departamentos ultramarinos, nos quais a exploração de hidrocarbonetos offshore terá que ser encerrada até 2040. Em parte, foi o que fez a TotalEnergies, atualmente a sétima maior produtora mundial de petróleo, a não insistir em pesquisar hidrocarbonetos na Guiana Francesa, após alguns resultados desanimadores.
Porém, no vizinho Suriname é outra história. Ali, a empresa francesa anunciou em 2024 investimentos de US$ 10,5 bilhões para desenvolver o campo petrolífero de GranMorgu, situado a 150 km do litoral, onde espera extrair 220 mil barris diários até 2028. Na descrição do projeto em seu site, a empresa afirma: “GranMorgu é perfeitamente ilustrativo da nossa estratégia de transição [ecológica]: pelo seu impacto econômico e social para esse país sul-americano e para os esforços que estamos fazendo para minimizar as suas emissões de gases de efeito estufa.”
Na Guiana, a mais notória fronteira petrolífera recente do planeta, a TotalEnergies lidera um consórcio com a QatarEnergy e a malaia Petronas, vencedora de uma licitação do governo de Georgetown em 2023 e deverá iniciar a exploração proximamente.
Ou seja: os hidrocarbonetos eventualmente encontrados na Margem Equatorial Brasileira são “ruins para o clima”; no Suriname, são parte integrante da “transição ecológica” e, na Guiana, não há qualquer restrição vinda de Paris.
Os encarregados da publicidade e de imprensa da Petrobras bem poderiam inspirar-se com a criatividade dos seus colegas franceses da TotalEnergies.
E os brasileiros efetivamente comprometidos com os interesses nacionais, a começar por certas autoridades de Brasília, deveriam aprender de vez que “bom mocismo” não costuma ter vez em meio à realpolitik.