A proposta de revisar o Artigo 19 do Marco Civil da Internet não é apenas uma mudança técnica. Ela consolida um modelo de controle discursivo que já vinha sendo operado fora dos marcos formais. A derrubada da exigência de ordem judicial para remoção de conteúdos transfere poder — de instituições nacionais para plataformas privadas, baseadas no exterior, guiadas por interesses que o Brasil não regula nem supervisiona.
Durante as eleições de 2022, conteúdos foram removidos por solicitação de autoridades, sem critérios públicos, sem justificativa transparente e sem qualquer canal de responsabilização. Foram decisões executadas fora do processo legal. O que agora se busca é apenas reconhecer juridicamente esse arranjo já em funcionamento e incorporá-lo como parte legítima da arquitetura normativa brasileira.
Mas esse padrão não começou ali. Durante a pandemia, o país também presenciou a supressão de opiniões, dados e diagnósticos alternativos sob o pretexto de conter desinformação. A filtragem de conteúdos não se deu com base em leis, mas em protocolos improvisados e parcerias não auditáveis. O argumento da urgência serviu para validar um experimento de centralização narrativa — e a sociedade aceitou, em nome de uma normalidade que nunca retornou completamente. Silenciamentos passaram a ser tratados como procedimentos de rotina, e o debate foi substituído por diretrizes.
Desde então, esse modelo evoluiu. Mais recentemente, o Brasil firmou um acordo que permite a remoção de conteúdos considerados “incompatíveis” com compromissos climáticos internacionais. Com isso, qualquer crítica que contrarie metas estabelecidas por organismos multilaterais — mesmo que tecnicamente fundamentada — pode ser eliminada por decisão administrativa, sem mediação jurídica. Trata-se de um novo tipo de censura, regulada por diretrizes externas que se impõem sem debate público e sem legitimidade orgânica — um modelo de controle que dispensa o Estado e contorna o cidadão.
É nesse contexto que se insere a tentativa de revogar o Art. 19. A proposta não corrige distorções. Apenas formaliza a perda de controle sobre o próprio espaço público. O que era exceção vira regra. O que era bastidor vira norma. A autoridade sobre o que pode ou não circular no Brasil passa a responder a instâncias externas, sob critérios que não refletem nem a cultura nem as instituições nacionais.
O debate vai além da liberdade de expressão. Trata-se da soberania sobre as ideias que moldam o imaginário coletivo de um país. Quando um Estado abre mão de proteger esse território, entrega mais do que palavras — entrega autonomia, memória, identidade. A erosão do discernimento público começa pela entrega do vocabulário e da mediação sobre o real.
Para quem tem uma visão cristã, a liberdade não é apenas um direito civil. É uma responsabilidade espiritual diante da verdade. Um povo que não pode falar livremente também não pode professar livremente. E um país que renuncia a esse princípio deixa de proteger a sua fé, a sua história e a sua missão.