O Mercado Viu, Entendeu… e Fingiu que Não Era com Ele

O risco não é novo. Ele apenas mudou de lugar. Saiu dos fundamentos fiscais, das variáveis inflacionárias ou dos ciclos externos — e passou a habitar o centro da institucionalidade. Uma sanção internacional contra uma autoridade da cúpula do Judiciário já não é apenas uma hipótese remota. É uma eventualidade em curso, com sinalizações públicas, diretas, e tecnicamente consistentes. E, ainda assim, o mercado finge que não é com ele.

Não se trata de projeção ideológica, nem de ruído político doméstico. Trata-se de um movimento concreto do Departamento de Estado americano, em linha com diretrizes jurídicas que sustentam outras sanções aplicadas contra regimes autoritários ao redor do mundo. A diferença é que, desta vez, o epicentro não está em regimes exóticos, mas no coração institucional de um país tido como democracia estável e parceiro estratégico. Isso deveria acionar alertas — mas encontrou silêncio.

É compreensível que o capital fuja da incerteza. Mas é justamente isso que torna sua apatia tão reveladora. Quando os mercados optam por não reagir a um risco evidente, não o fazem por desconhecimento — fazem por cálculo. Admitir o risco seria aceitar a possibilidade de que os modelos clássicos de precificação do Brasil estejam errados. E reavaliar esse risco implicaria, quase inevitavelmente, revisar posições, cortar exposição e recalibrar expectativas.

O problema é que o risco agora não é externo — é simbólico. E por isso, mais perigoso. Quando o sistema internacional começa a reinterpretar as instituições brasileiras sob a ótica de violações estruturais de liberdade, não há plano fiscal que segure o rating. Nem arcabouço que reverta a percepção. O impacto pode vir silencioso, mas letal: nos prêmios de risco, nos custos de capital, na desconfiança sobre o próprio “rule of law” brasileiro.

Sanções, especialmente aquelas motivadas por princípios normativos, não se limitam ao alvo direto. Elas contaminam. Mancham reputações, afastam investimentos, esfriam emissões, travam negociações multilaterais. E o mais importante: criam precedente. Se um país permite que seu sistema institucional flerte com práticas condenadas por democracias maduras, passa a carregar esse carimbo — mesmo que tente, depois, removê-lo.

É nesse ponto que o silêncio do mercado deixa de ser neutro e passa a ser cúmplice. Porque o capital, quando maduro, sabe ler as entrelinhas. E sabe que há riscos que não se manifestam em gráficos, mas em gestos. O gesto de um secretário de Estado que anuncia sanções. O gesto de uma corte que fecha o cerco sobre críticos. E o gesto de uma Faria Lima que, vendo tudo isso, prefere esperar pela próxima ata do Copom.

O risco institucional não espera virar crise para custar caro. Ele apenas se acomoda nos preços — até que alguém perceba que eles estavam errados o tempo todo.

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