As contradições da Transição Energética

Por: Lorenzo Carrasco e Geraldo Luís Lino

Expressão da moda, a transição energética tem sido amplamente propagandeada e justificada como um imperativo da necessidade de substituição acelerada do uso de carvão mineral, petróleo e gás natural como combustíveis, devido ao seu alegado impacto sobre a dinâmica climática global.

Por conta disso, têm ficado em segundo plano as profundas contradições que cercam o conceito, tanto científicas como tecnológicas, econômicas e até semânticas. A dita transição contraria a Ciência, porque, apesar de todo o alarido catastrofista prevalecente, não existe a proclamada emergência climática que, em um duplo equívoco, tem justificado a ilusória agenda da descarbonização da economia mundial.

Como afirmamos em artigo anterior (“Clima é negócio, as emergências reais são outras”): “Há 6.000-8.000 anos atrás, na época geológica conhecida como Holoceno Médio, as temperaturas atmosféricas e oceânicas e os níveis do mar eram superiores aos atuais, mas as concentrações de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera eram cerca de 40% inferiores às atuais. Os modelos climáticos catastrofistas não explicam tal contradição, evidenciando que outros fatores influenciam de forma preponderante a dinâmica climática global.”

A afirmativa se baseia nos resultados de milhares de estudos realizados nos seis continentes por cientistas de dúzias de países e publicados em revistas científicas de primeira linha.

Desafortunadamente, é raro que tais estudos consigam romper a barreira de desinformação erguida pelo lobby da “descarbonização”.

O próprio termo “transição” é inadequado, pois, apesar de a evolução tecnológica ter apontado para uma evolução das fontes no sentido de densidades energéticas crescentes, tem havido muito mais sinergia entre elas do que substituição. Com a palavra Jean-Baptiste Fressoz, professor de História da Ciência e Tecnologia do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) francês, em seu oportuno livro More and More and More: an All-consuming History of Energy (Mais e Mais e Mais: uma Desmedida História da Energia, em tradução livre):

“Após dois séculos de ‘transições energéticas’, a humanidade nunca queimou tanto petróleo e gás, tanto carvão e tanta lenha. Hoje, cerca de 2 bilhões de metros cúbicos de lenha são cortados todos os anos para serem queimados, três vezes mais que há um século. Atualmente, a lenha proporciona duas vezes mais energia que a fissão nuclear, duas vezes mais que a hidroeletricidade e duas vezes mais que as fontes solar e eólica combinadas (dados de 2019). A lenha permanece sendo uma fonte de calor essencial para o terço mais pobre da população mundial – 2,3 bilhões de pessoas –, que também é vítima da poluição. Mas os países ricos também têm visto o seu consumo de energia de lenha aumentar. Os EUA queimam duas vezes mais que em 1960 e a Europa, três vezes mais que no início do século XX. (…)”

Tal cenário não pode ser alterado pelo wishful thinking de ambientalistas e outros entusiastas que ignoram a história da tecnologia e as evidências da realidade.

Sob o aspecto estritamente técnico, chega a ser despropositada a introdução maciça nos sistemas elétricos de fontes geradoras intermitentes, caso das eólicas e solares, cujos problemas têm se evidenciado com os grandes blecautes ocorridos em vários países, inclusive no Brasil.

A propósito, recorremos ao veterano engenheiro Altino Ventura, que já ocupou vários cargos de direção no sistema elétrico nacional, inclusive nas diretorias da Itaipu Binacional e no Ministério de Minas e Energia. Em um artigo que tem circulado amplamente no setor e em outras áreas relevantes (“Impactos da geração eólica e solar fotovoltaica no sistema elétrico brasileiro”), ele é enfático:

“A expansão da geração eólica e solar fotovoltaica pode continuar sendo desenvolvida no Sistema Elétrico Interligado Nacional, nos montantes elevados dos últimos anos? O Brasil pode adotar prioritariamente estas ‘fontes renováveis intermitentes’ para expandir seu sistema gerador nos próximos anos?  A resposta é ‘NÃO’!!!

“As razões são todas de natureza técnica, energética e socioeconômica relacionadas com ‘dificuldades’ de incorporar, de ‘forma otimizada’ e com confiabilidade, montantes elevados de usinas ‘renováveis intermitentes’ eólicas e solares fotovoltaicas, ao sistema gerador nacional de usinas ‘não intermitentes’ hidroelétricas, termoelétricas convencionais e nucleares.”

Em mais de 130 anos de exploração comercial da eletricidade, ainda não há outras formas de geração firme (“despachável”, no jargão do setor), senão as termoelétricas, hidroelétricas e nucleares, as únicas adequadas para o abastecimento confiável de sociedades urbanizadas e industrializadas, que não podem ficar à mercê da inconstância dos ventos e da luminosidade solar. Sem falar nos custos progressivos da eletricidade com a introdução crescente das fontes eólicas e solares, que não dispensam pesados subsídios e outros incentivos que acabam refletidos nas contas dos consumidores comerciais e residenciais.

Citando dados da Agência Internacional de Energia (AIE), o cientista político dinamarquês Bjorn Lomborg, conhecido por seu livro O Ambientalista Cético (2002), demonstrou recentemente uma clara correlação entre o uso de tais fontes e os custos da eletricidade. Ele diz:

“Em países que usam pouca ou nenhuma energia solar e eólica, o custo médio de eletricidade é de cerca de 16 centavos por quilowatt-hora (em dólares canadenses de 2024). Para cada aumento de 10% na participação da energia solar e eólica, os custos de eletricidade aumentam em quase oito centavos por kWh. Esses números são de 2022, mas os resultados foram essencialmente os mesmos em 2019, antes dos impactos da pandemia de Covid-19 e da guerra Rússia-Ucrânia.

“Na Alemanha, em 2022, a eletricidade custava US$ 0,43 por kWh – mais que o dobro do preço no Canadá e mais de três vezes o da China. A Alemanha instalou tanta capacidade solar e eólica que, em dias ensolarados e ventosos, ela satisfaz quase 70% das necessidades do país – um fato que a imprensa relata avidamente. Mas dificilmente a mesma mídia menciona os dias escuros e sem vento, quando as energias renováveis ​​não fornecem quase nada. Nos últimos meses, em duas ocasiões, quando estava nublado e quase sem vento, as centrais solares e eólicas forneceram menos de 4% da demanda diária de energia no país.

“As baterias podem ajudar, mas também são caras e todo o armazenamento em baterias da Alemanha acaba em cerca de 20 minutos. Isto deixa mais de 23 horas de energia alimentada principalmente por combustíveis fósseis. Em dezembro último, com céu nublado e quase nenhum vento, a Alemanha enfrentou os maiores preços de energia desde o pico causado pela invasão da Ucrânia pela Rússia, em 2022, com os preços no atacado atingindo impressionantes US$ 1,40 por kWh (Financial Post, 25/03/2025).”

Sua conclusão: “há muitas nações com muita energia verde e eletricidade exorbitantemente cara.”

Com o entrechoque de tal elenco de contradições e o mundo real, as evidências sugerem que a “transição energética” (aspas indispensáveis) acabe se juntando à constelação cadente de palavras de ordem e rótulos característicos da indústria do radicalismo “verde” – pegada de carbono, pegada ecológica, sobrecarga da Terra, ESG etc. – no caminho que lhe cabe, o da irrelevância.

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