Há algo profundamente simbólico na convergência entre três pilares do Brasil contemporâneo: o funk, o banco e o crime. À primeira vista, parecem fenômenos distintos — um gênero musical, uma instituição financeira e uma atividade ilícita. Mas, no Brasil de hoje, eles se encontram num mesmo eixo de influência: a cultura do colapso.
O funk, longe de sua origem como manifestação popular legítima, passou a ser instrumentalizado como ferramenta de guerra cultural. Seus expoentes, financiados por interesses diversos — lícitos e ilícitos —, promovem a estética da vulgaridade, da ostentação fútil, da agressividade como linguagem. Em nome de uma suposta representatividade periférica, produzem-se ídolos que vendem um estilo de vida moldado não pelo mérito, mas pela simulação do poder: arma, droga, dinheiro fácil, mulher como objeto. O baile funk já não é apenas uma festa: é um laboratório de comportamento.
Do outro lado, o banco — esse sim, legalizado até a medula — opera com uma lógica não muito diferente. A usura contemporânea, travestida de crédito, impõe ao cidadão comum uma escravidão silenciosa: dívida perpétua, taxas abusivas, “educação financeira” que culpa o pobre pela própria ruína. A diferença entre o traficante que empresta dinheiro a juros na favela e o banco que vende crédito consignado ao aposentado de 1 salário mínimo está apenas na logomarca. Ambos vivem do mesmo princípio: capturar a fragilidade de quem tem pouco e extrair o máximo.
Entre os dois mundos, o crime organizado navega com fluidez. Financia bailes, alavanca artistas, abre contas em bancos digitais, opera esquemas de lavagem e cria sua própria rede de serviços: gatonet, segurança privada, transporte alternativo, até instituição financeira própria. O que antes era submundo, hoje é mainstream. O crime se modernizou — e foi promovido a modelo de negócio.
Essa simbiose se revela não apenas no território, mas no imaginário. A juventude é doutrinada a admirar o traficante com cordão de ouro, a invejar o influenciador bancado por apostas ilegais e a desconfiar do trabalhador honesto. É o triunfo da estética do marginal como símbolo de sucesso. E mais: como símbolo de justiça. A distorção moral é tamanha que o bandido passa a ser visto como agente de reparação social. O lumpen vira herói. O mérito vira opressão.
A mídia endossa. As redes amplificam. As instituições silenciam. E a escola, muitas vezes, aplaude. Afinal, quem contesta esse processo é “elitista”, “preconceituoso”, “moralista”. O resultado é uma sociedade invertida, onde tudo que era condenável virou cultura — e tudo que era nobre virou opressor.
Não é apenas uma questão de segurança pública. É uma disputa civilizacional. Quando o crime domina a estética e o banco domina a moral, o país se torna funcionalmente ingovernável. O funk performático, o crédito abusivo e o tráfico travestido de serviço público são três faces do mesmo colapso: a morte da autoridade legítima, a destruição da cultura do trabalho e a prostituição da esperança em nome do consumo imediato.
A pergunta não é “como chegamos aqui?” A questão é “por quanto tempo iremos aguentar essa combinação perversa?”. Quando o crime vira doutrina, o banco vira pastor e o funk vira linguagem, resta apenas o riso. O riso nervoso.
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