Nem todas as civilizações desenvolvem instituições e órgãos políticos, ou mesmo uma dinâmica social propriamente política. A política demanda uma ordem social e institucional que permita a diversidade entre grupos que disputam o poder; a tensão e disputa política se passam em um ambiente civilizado, com certa homogeneidade cultural e similaridade de valores morais. É preciso ver no outro um co-cidadão, um homem dotado de dignidade e inteligência equivalentes aos de quem está avaliando, um ser antagônico, mas não uma ameaça de aniquilação. O outro na política — seja outro grupo, indivíduo, partido ou projeto — não é digno de aniquilação, perseguição ou destruição; é apenas quem sustenta outra perspectiva sobre o que deve ser feito ou como fazer.
Neste arranjo social, é possível a tensão de amigo contra inimigo; há uma alteridade na disputa — o outro é visto com dignidade e humanidade, mesmo que na ágora ou parlamento precise ser superado —, não há a necessidade de aniquilar o outro para sobreviver. O termo alteridade deriva do latim alteritas, que significa “ser outro” ou “o que é diferente”, que no grego ático (τὸ ἕτερον – to héteron) significa o “separado”, “diferente”, que na ontologia platônica possibilitou a especulação a respeito da multiplicidade dos seres. A cultura grega, onde nasceu a política, tinha conceitos, termos e narrativas que possibilitavam aos cidadãos enxergar a possibilidade de alteridade no processo político. O pensador espanhol José Ortega y Gasset, define a cultura como um repertório existencial criado em um determinado período histórico, que dá sentido à vida e permite ao indivíduo compreender a realidade além do que é imediatamente visível.
A cultura é uma necessidade essencial, não mera construção estética, pois oferece direção e segurança ao homem, ajudando-o a enfrentar a incerteza e o caos da existência. Ela permite acessar aspectos da realidade que não são evidentes, fornecendo uma compreensão mais completa do mundo. Além disso, a cultura estabelece regularidades, como leis e estruturas sociais, que proporcionam estabilidade e protegem o indivíduo da ignorância e da vulnerabilidade, tornando o desconhecido mais compreensível. A cultura também é o meio pelo qual o indivíduo desenvolve sua identidade; para Ortega, ela permite que o “homem médio”, inserido nas circunstâncias de sua época, realize sua vocação, enfrente seus desafios pessoais e experiências individuais. A cultura nos serve como uma espécie de galeria de experiências, onde é possível conhecer formas de conduzir a vida individual, do lar e pública.
Mas a cultura brasileira tem conceitos, figuras, narrativas e repertórios que possibilitem a alteridade? Nós temos meios para nos relacionar com o outro? O PT sempre investiu fortemente no medo, acusando a oposição — seja ela quem for — de ser fascista, de odiar trabalhadores e de querer retirar direitos. Toda a linguagem política do Brasil gira em torno de uma guerra retórica de aniquilação, onde o PT sempre empregou todos os meios possíveis para retirar opositores do debate público.
Quando saímos do debate e da retórica para os fatos, as coisas pioram: a maior liderança política brasileira desde a redemocratização sofreu um atentado em plena campanha presidencial, claramente uma tentativa de eliminar um forte concorrente na corrida pelo Planalto.
Além da linguagem, das narrativas e dos conceitos, o PT contribui para a destruição da alteridade utilizando todos os meios ilegais possíveis para se manter no poder: roubo, propina, compra de consciências, homicídios e ameaças. Para aqueles que pensam que nossa tarefa enquanto nação está restrita a resolver problemas econômicos ou institucionais, vemos que isso é a ponta do iceberg.
Não temos uma linguagem uniformizada, conceitos ou um repertório cultural que nos possibilitem unificar o Brasil como uma unidade política coerente. Não é preciso simplesmente restaurar as instituições políticas; é preciso restaurar a política em si, recriando a unidade da nação através de objetivos comuns, um projeto nacional e produções culturais que se comuniquem com a população comum.