No Brasil, o Direito deixou de ser um instrumento de ordem e passou a operar como um mecanismo de controle social e político, profundamente moldado por narrativas, vaidades e ressentimentos. A judicialização da vida cotidiana, a hipertrofia do Judiciário e o uso indiscriminado da justiça como instrumento de vingança privada são sintomas de um sistema em crise — ou, mais precisamente, de um sistema que virou negócio.

A cultura do litígio transformou-se em esporte radical: ser acusado é pular de um avião sem paraquedas com uma petição nas costas. Acusa-se por flerte, por opinião, por desafeto. As varas se multiplicam, mas o senso de justiça desaparece. O cidadão, que deveria ver no sistema um caminho para reparação legítima, encontra uma máquina de coação, extorsão e desgaste emocional. Um aparato institucionalizado que distribui poder a castas togadas, mas nega ao povo o direito elementar de confiar nas instituições.

Mais grave ainda é a transformação da justiça em espetáculo. O processo, antes reservado à discrição e à sobriedade, passou a ser alimentado por organogramas fantasiosos em reportagens, por manchetes julgadoras, por cliques que valem mais que provas. A imprensa virou pré-instância judicial; o Ministério Público virou protagonista; o juiz, celebridade. E o cidadão, dependendo da narrativa do dia, virou alvo ou cúmplice. 

A justiça brasileira passou a operar segundo o princípio de Trasímaco, o personagem do diálogo platônico A República: “a justiça é o interesse do mais forte”. Quem controla os meios — políticos, econômicos ou midiáticos — molda a moral do dia. E quem resiste a essa moral flexível, por convicção ou fé, passa a ser considerado um perigo ao novo dogma laico da democracia absolutizada. Como consequência, até o que há de mais íntimo — palavras, sentimentos, relações familiares — passou a ser passível de regulação judicial. Não há mais esferas autônomas de resolução de conflitos; tudo é capturado pela jurisdição estatal. A subsidiariedade, princípio clássico da doutrina social cristã, foi esquecida em nome da tecnocracia centralizadora.

Esse cenário não é fruto do acaso, mas da erosão deliberada da moral e da filosofia na formação jurídica. Forma-se o operador do Direito antes de formar o homem. E o que se espera de quem nunca lidou com o sofrimento humano senão repetir fórmulas iluministas e aplicar dogmas positivistas com verniz acadêmico e alma ressentida? O juiz tornou-se demiurgo; o promotor, inquisidor; e o advogado, gestor de crise. Todos bem remunerados por uma máquina que não entrega justiça, mas produz narrativas.

No fim, a justiça se distancia do seu propósito original: restaurar a ordem. Em vez disso, tornou-se ferramenta de guerra cultural, de disputas ideológicas e de extorsão velada. Quem ganha com isso? Os mesmos de sempre: os que mandam prender, soltar, investigar, arquivar, processar — sempre com base em critérios “técnicos”, claro.

Se há uma saída, ela começa por baixo: pela reforma da consciência. A prática da justiça começa no microcosmo das relações pessoais, com o respeito às esferas legítimas da vida, com o reconhecimento de que nem todo conflito é caso de sentença, e de que nem todo dissabor deve virar manchete.Tudo isso foi discutido no último episódio do programa 5º Elemento, que você pode assistir clicando aqui.

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