Já comentamos aqui, pelo menos uma dezena de vezes, o quanto o debate público brasileiro é teatral, vazio de conteúdo e, acima de tudo, infrutífero.
E, convenhamos, isso não é um acaso: ele precisa ser assim. As oligarquias se mantêm no poder justamente porque o povo não tem uma compreensão clara sobre os problemas nacionais nem sobre as políticas que, supostamente, deveriam ser criadas para resolvê-los.
No Brasil, a discussão pública é um jogo de palavras cuidadosamente escolhidas para gerar efeitos emocionais. Nada, absolutamente nada, do que se diz no debate público visa transmitir significado ou profundidade. Termos como comunismo, livre mercado, conservadorismo, direita e esquerda, servem mais como rótulos para identificar aliados e inimigos do que como conceitos com substância. São, na prática, palavras de ordem — ou mesmo provocações — usadas para causar repulsa ou identificação instantânea na audiência.
Por exemplo, definir o comunismo exclusivamente como “estatização dos meios de produção”, como é recorrente no Brasil, limita-se a uma visão reducionista e superficial. Essa definição o descreve com base no ideal econômico que o representa como bandeira ou slogan, ignorando o fato de que o comunismo é, antes de tudo, um movimento político e intelectual com um século e meio de história profundamente complexa.
Essa abordagem simplista equivale a interpretar acontecimentos históricos a partir de definições do dicionário — um método que nenhuma pessoa com mais de doze anos deveria levar a sério. Mais ingênuo ainda é usar essa definição limitada como base para argumentar que um partido que não defende abertamente a estatização dos meios de produção não pode, de forma alguma, ser considerado comunista.
Na prática, ao longo da história, os grandes partidos comunistas, incluindo o da própria URSS, frequentemente relegaram a estatização dos meios de produção a um plano secundário ou até mesmo a omitiram. Suas ações priorizavam objetivos mais imediatos e concretos, muitas vezes em aliança com outras forças políticas, para ampliar sua base de apoio.
Um exemplo marcante é a política de Front Popular, adotada na década de 1930, que mobilizou apoio internacional à URSS sob um discurso “antifascista”. Esse discurso foi cuidadosamente formulado para aparentar plena compatibilidade entre o regime comunista e os interesses da burguesia democrática ocidental. No Brasil, o antigo Partido Comunista Brasileiro, sob a liderança de Luís Carlos Prestes, frequentemente dava mais destaque à retórica de “proteger os interesses nacionais” ou a “burguesia nacional” — supostamente ameaçados pelo capital estrangeiro — do que à estatização econômica. Durante o período de oposição à ditadura militar, os comunistas raramente mencionavam estatizações, limitando-se a reivindicar “democracia”.
Mesmo com toda a historicidade e substância do conceito de comunista, ele segue sendo usado como ferramenta retórica, despertando emoções distintas: para os partidários, um sentimento de justiça e benevolência; para os opositores, a ideia de opressão e tirania.
O mesmo ocorre com o liberalismo. Para muitos, o liberalismo traz uma sensação de prosperidade, liberdade e progresso econômico. Contudo, assim como o comunismo, o liberalismo é reduzido a slogans superficiais no debate público brasileiro, ignorando-se sua profundidade histórica e implicações práticas.
Historicamente, o liberalismo buscou fazer do capital um soberano, articulando um projeto civilizacional que promoveu mudanças radicais nas estruturas de poder, na sociedade, na educação, na moral e até nas dimensões mais profundas do indivíduo. É uma visão abrangente, cuja demanda por poder é voraz e inigualável.
Na prática, o liberalismo instrumentalizou o livre mercado e a globalização para enfraquecer as soberanias nacionais, pavimentando o caminho para um Leviatã universal com poder absoluto. Exemplos disso incluem o Consenso de Washington, a formação de burocracias multilaterais e a transferência da formulação de políticas públicas dos Estados para organismos dominados por grandes corporações.
No entanto, no Brasil, o debate público não aborda a história ou as consequências práticas dessas ideologias e políticas. Tudo é tratado em termos publicitários e eleitoreiros, sem qualquer compromisso com a compreensão real dos fatos ou dos projetos que moldam nossa sociedade.