Em 23 de setembro ocorreu no Jazz Lincoln Center, em Nova York, a premiação da iniciativa Goalkeepers, que pertence à fundação Bill e Melinda Gates.
Bill Gates entregou um troféu ao presidente Luís Inácio Lula da Silva, escolhido como um dos “líderes que criam soluções para manter a população saudável e nutrida em meio ao aquecimento global”.
Lula discursou e foi aplaudido de pé. Mas o ápice do seu show aconteceu fora do palco, numa conversa com o bilionário. Com tom sério e melodramático, mentiu sobre os números do combate à fome como quem toma um gole de cachaça, deixando Bill com esgares de quem está profundamente comovido com a lorota.
Lula disse ter tirado 24 milhões de brasileiros da situação de pobreza em apenas 1 ano e oito meses de governo. Até 2026, segundo ele, não haverá mais ninguém com fome no Brasil.
Esse tipo de vergonha alheia é angustiante. Tá certo que já mandamos a realidade às favas faz tempo e o que vemos não é mais o mundo, senão uma abstração composta de infinitas narrativas. Só que a mentira é uma narrativa suicida. Uma distorção tão absurda que acaba escancarando a verdade que pretendia esconder. E é aí que o fenômeno tragicômico acontece.
O acúmulo de mentiras vai transformando a representação do mundo num quadro surrealista, uma paisagem impossível, onde vemos um olho no lugar do sol, elefantes com trombones nas trombas, homens-árvores e relógios gigantes derretidos.
Lula acha que tirou 26 milhões de pessoas da miséria porque o mundo em que vive é surreal, formado por artistas que fazem leis, cientistas que fazem mágica, empresários que fazem florestas, jornalistas que fazem polichinelos, juízes que atiram facas, banqueiros que fazem de conta.
Comparando o Brasil com o que o governo e a mídia dizem ser o Brasil, podemos vislumbrar a neurose.
No final de agosto, o IBGE divulgou uma taxa de desemprego de 6,9% para o primeiro semestre do ano, um índice formidável que faria jus ao país das maravilhas do molusco de nove dedos. Mas alguns dos critérios para se chegar a esse percentual são dignos de um prontuário psiquiátrico.
O número de desempregados leva em conta apenas aqueles que estão procurando trabalho dentro da população economicamente ativa. Até aí, nenhuma novidade. Mas, desde 2019, o Brasil mudou o método para medir a taxa de desemprego, considerando empregado quem trabalhou ao menos 1 hora remunerada na semana. Antes, era considerado empregado quem trabalhasse ao menos 15 horas na semana.
Além disso, quem não procurou emprego durante os 30 dias anteriores à pesquisa não é considerado desempregado, mas alguém que não quer ou não precisa trabalhar para se sustentar.
Bom, esse desempregado parece ser cada vez mais difícil mesmo de achar, não é mesmo? Mas calma que piora.
Dados recentes – de agosto de 2024 – revelam que o número de beneficiários do Bolsa Família supera o de trabalhadores CLT com carteira assinada em 12 dos 27 estados da federação, excluindo o setor público. Muitos destes beneficiários não procuram emprego para não perder o benefício. Logo, são excluídos do grupo dos desempregados.
E ainda temos uma outra distorção importante.
Uma pesquisa feita pelo Senado e divulgada pelo G1 no começo de outubro mostrou que 42% dos brasileiros que apostam nas BETs estão endividados e cerca de um terço deste grupo está fora do mercado de trabalho.
As BETs movimentam hoje 240 bilhões anuais.
Podemos deduzir que parte considerável da nossa força de trabalho atual talvez seja formada por viciados em jogos de azar que não estão sequer procurando emprego e tornaram-se invisíveis para as instituições brasileiras.
O brasileiro confia mais no Tigrinho do que no país. E não é pra menos. O governo não tem apostado muito no trabalhador ultimamente. Prefere arrecadar com o ISM – Imposto sobre a Miséria – gerado pelas BETs.
A Caixa Econômica Federal pretende lançar sua própria BET em abril de 2025, conforme matéria d’O Globo.
A Caixa, no primeiro semestre do ano, arrecadou R$ 12,3 bilhões com as loterias, uma merreca se comparados aos já citados 240 bilhões anuais faturados pelas empresas de apostas on-line.
Os seguidores do “deus mercado” comemoram. Afinal, segundo eles, poderemos concorrer com as BETs que estão levando nosso dinheiro embora.
Claro, por que não entrar na concorrência pra ver quem consegue tirar mais dinheiro dos miseráveis? Por que não incentivar o desmantelamento das famílias? Por que não investir no vício e na degradação moral do brasileiro?
Conforme lemos em seu site, “O ano de 1969 foi um dos marcos na história da CAIXA. O Decreto-Lei Nº 759 daquele ano a constituiu como uma empresa pública e deu a ela diversas obrigações e deveres, com foco em serviços de natureza social, promoção da cidadania e do desenvolvimento do país.”
2025, em contrapartida, promete ser o ano em que a instituição romperá com tais valores e deveres para se transformar na Caixa de Pandora.
Mas Lula foi premiado por seu combate à fome. É assim que o Brasil figura neste quadro surreal do mundo.
Somos uma aberração. Uma contradição em termos. Somos uma locomotiva lanterna. Puxamos o trem da transição energética, da implementação da moeda digital, da descarbonização da economia, todas as políticas que nos fazem atolar cada vez mais na miséria, amargando os últimos lugares em educacão, mergulhando na pornografia, no tráfego de drogas e no buraco negro dos jogos de azar.
O mundo é o reino dos liberais. Lula dança a música tocada por globalistas como Bill Gates e lhe é permitido até falar umas verdades inconvenientes como expor a diferença entre ricos e pobres para divertir uma elite vaidosa e psicopata. Recebemos migalhas para apimentar uma festa para a qual nunca seremos convidados.
Isto não é um país. É só um bobo da corte.