A classe falante brasileira, para além das boçalidades habituais, tem falado bobagens grotescas sobre um tema que é particularmente essencial para que compreendamos o quadro mundial e possamos nos posicionar como país: o governo Trump.
Alguns dizem que seu mandato será imprevisível, outros que sua política é personalista e errática. O intrigante nesses diagnósticos é a suposta segurança e previsibilidade de presidentes como Biden, Obama e Bush.
Como é possível ver previsibilidade e segurança em políticos que recebem suas agendas de governo prontas por instituições como CFR, pela Comissão Trilateral e de demais think tanks? Qual foi o órgão de mídia que projetou ou comentou de forma expositiva o programa Open Government Partnership de Obama, que praticamente entregava a redação de políticas e orçamento para instituições privadas?
Ou mesmo a terceirização dos serviços de inteligência promovida durante a guerra ao terror: quem pôde prever essas políticas tão previsíveis? Quem estava minimamente ciente de que o imperialismo americano terminaria entregando orçamento, poder e tropas para a ONU?
O programa globalista, longe de ser imperialismo americano — tanto é que é chamado por ideólogos e financiadores de “sociedade aberta” —, consiste essencialmente em quebrar as soberanias nacionais, incluindo a dos EUA, submetendo cada vez mais o país a organismos internacionais. Para esse fim, é necessário diluir a cultura e a identidade nacionais em uma pasta “multiculturalista”.
O globalismo não tem finalidades essencialmente econômicas ou mesmo político-militares: trata-se de um conceito integral de civilização, uma verdadeira mutação revolucionária da espécie humana, incluindo a total erradicação de religiões tradicionais ou sua diluição em uma religião biônica universal, cuja expressão mais visível é o movimento “Nova Era”. Os poderosos grupos econômicos que apoiam o globalismo são os mesmos que elegeram Bill Clinton e sustentaram a campanha de John Kerry. Apoiam o aborto, o casamento gay, a liberação das drogas e tudo o mais que possa dissolver rapidamente a unidade histórica da cultura nacional de qualquer nação que deixe entrar seu aparato de guerra assimétrica.
Fazem uso maciço do ativismo judicial para mudar completamente o sentido da Constituição através de sentenças que permitem o que era proibido e proíbem o que era permitido. Patrocinam massivamente a esquerda do Terceiro Mundo e as manifestações antiamericanas, mas, ao mesmo tempo que lutam para enfraquecer os EUA enquanto Estado independente, buscam fortalecer o país como instrumento da ONU. Daí a ambiguidade de suas tomadas de posição quanto ao terrorismo, por exemplo.
Mas mesmo ignorantes profissionais não podem ter deixado de notar, nos últimos anos, o conflito aberto entre a ONU e os EUA, seguido de uma explosão mundial de antiamericanismo, cujas manifestações nas ruas e na mídia — simultâneas, súbitas e organizadíssimas — não surgem do nada, sem uma longa e dispendiosíssima preparação secreta. O fato é que, para entender o governo de Trump, é preciso compreender o desenvolvimento da agenda de sociedade aberta e os planos da elite anglo-americana para os próprios EUA.
O Estado americano não esteve seguindo uma agenda de interesse de Estado nas últimas décadas. Pelo contrário, em vários momentos da história trabalhou contra seus próprios interesses enquanto nação para criar um cenário propício à formação de um governo global.
Os EUA tiveram seu Estado instrumentalizado (assim como o Brasil teve seu aparato institucional aparelhado pelo PT).
Enquanto o PT colocou o Estado brasileiro a serviço do Foro de São Paulo, os grandes think tanks da elite anglo-americana colocaram o Estado americano para forjar uma nova ordem mundial.
O governo Trump só pode ser compreendido como uma reação a esse projeto – que já dá sinais de fracasso evidenciado pelo processo de desglobalização e pela retração das cadeias de infraestrutura e logística do mundo.
Será que o governo Trump é mesmo uma reação ao globalismo que, com o tempo, se transformará em uma tecnocracia? Ou é o resultado dos esforços de uma parte insatisfeita da própria elite anglo-americana?
Essas questões são mais difíceis de responder, mas, com toda certeza, o governo Trump é de algum modo uma resposta ao processo de desglobalização do mundo e tentará preservar ao máximo o poder e a influência dos EUA.