Jogos de Azar – O Império da Miséria

Por Daniel Galli

16/07/2024

Os Jogos de Azar sempre foram objeto de muita controvérsia. Não seria diferente agora com a invasão das bets e dos tigrinhos em nossos celulares.

Já temos uma boa amostra do espetáculo satânico que nos espera caso a roleta continue girando, mas parece que não conseguimos evitá-lo.

Somos frutos de uma geração secularizada e politicamente contaminada até o talo pelas ideias iluministas de um lado, e pelo marxismo, de outro. Tais visões de mundo – antagônicas na superfície, mas igual e profundamente anticristãs – incutiram na sociedade moderna a sensação de que a verdade oscila como um pêndulo entre o indivíduo e o coletivo, o que não passa de um falso dilema.

Vamos colocar as cartas na mesa.

O Liberal defensor do mercado-acima-de-tudo adoraria ver a infinidade de caça-níqueis convertendo os centavos dos outros em bilhões para si.

O Socialista moderno, um tanto resignado quanto ao fato de não conseguir manter todas as atividades lucrativas dentro do Estado, quer ao menos os impostos que essa indústria de apostas pode gerar.

Tudo pelo dinheiro! Como são parecidas as duas faces de uma moeda, não?

Os argumentos de ambos os lados chegam a ser comoventes. “O mercado auto-regulador preservaria a liberdade” – truca o liberal. “Os impostos de tal atividade permitiria que políticas públicas fossem implementadas, contribuindo para a justiça social” – retruca o socialista. Mas debaixo desses arroubos de benignidade, tanto um quanto outro sentem apenas desprezo pelas pessoas.

Querem nos convencer de que só podemos apostar no preto ou no vermelho. Como eu disse, é um falso dilema, já que sempre podemos optar por sair fora desse jogo.

O amor pela fortuna é comum nos homens que vivem na miséria. Num país miserável, talvez se configure até num traço cultural.

A miséria humana não é privilégio daqueles que sofrem com a escassez material. Talvez seja até mais comum entre os ricos, muito ricos, milionários, bilionários.

Hoje, somos o paraíso dos miseráveis. De bocas de fumo a luxuosos condomínios em ilhas paradisíacas, passando por tardes inteiras de domingo embaladas pelo Canastrão do Huck, a impressão que se tem é que o império da miséria não tem limites.

Pequena pausa pra colocar um freio nesse moralista chato que trazemos dentro da gente e confessar: somos todos sócios deste clube dos miseráveis. Isso é bom, diria Míriam Leitão, e ela teria finalmente razão, ao menos sob um aspecto: se quisermos ter alguma chance de não sucumbir, de não cair numa armadilha ao nos imaginarmos cândidos e impolutos, pairando sobre uma nuvem de virtudes e assistindo de camarote ao show de horrores encenado pela escória da humanidade, é bom ao menos ter consciência de que estamos todos na mesma areia movediça e a única chance de não afundarmos é nos agarrando ao socorro que vem do alto. Paradoxalmente, o socorro que vem do alto só nos alcançará quando olharmos pra baixo – ou pro lado – e nos compadecermos dos nossos compartes. Que eles também se compadeçam de nós. Afinal, todos queremos sair da miséria mas, ao descartar o espírito e nos aferrarmos ao que há de mais rasteiro, viemos parar aqui nesse buraco e, agora, parece que só nos resta sonhar com o coringa.

Vivemos à espera do coringa. Talvez na próxima rodada, o joker de riso largo certamente dará um jeito no futebol que temos na mão. E quando ele vier, vamos gritar até rasgar o nó da garganta. Vamos bater no peito e atirar com espalhafato sobre o pano verde o resultado de tanta espera ante os olhos incrédulos de todos, e receberemos os devidos louros. Afinal, nós merecemos.

Pagaremos todas as nossas dívidas com folga, levaremos família e amigos para banquetes salomônicos, compraremos casas e carros e presentes, desfrutaremos de todos os mimos do mundo e o mundo se dobrará diante de nós. Ou, mais modestos – e miseráveis -, pagaremos nossas dívidas, compraremos uma casinha e guardaremos o resto para viver sem as preocupações de hoje. Só queremos sossego. Sem despertador, sem obrigações, sem patrão. Buscamos a liberdade de ser o que a gente quiser. Quando o coringa chegar, selará nosso destino na fortuna. E viver será então uma festa.

Estamos quebrados, mas queremos virar o jogo e quebrar a banca. Queremos vomitar todos os sapos que engolimos, devolver os sopapos que levamos da vida. E o coringa há de nos salvar.

Essa é a nossa miséria da qual o mal se alimenta. O estrago que os jogos de azar fazem num país de miseráveis é imensurável.

Os crupiês do liberalismo dão as cartas, giram as roletas, sorteiam os números nos bingos, comandam, enfim, o casino dos donos do fim do mundo. Eles sabem que todo miserável espera pelo seu coringa. Os coringas estão logo ali, gritam os influenciadores, aliciados para nos aliciar – “não estão vendo? Eis um mundo cheio de prazeres e de glória. Olha o coringa! É o coringa!”

A tragédia é que somos incapazes de perceber que a risada desse palhaço é só maquiagem. Por trás da máscara bizarra, o abismo é o que nos espera.

As Bets, plataformas de apostas esportivas On Line, têm sugado a renda dos brasileiros de classe baixa, segundo analistas econômicos.

O brasileiro confia mais no jogo do que no Brasil, acredita que a probabilidade de sair da lama é maior apostando em jogos de azar do que confiando no suor do seu próprio rosto. E essa crença é fundamentada num sentimento de impotência que não deixa de ser real. Nos transformamos num país que não premia o trabalho e a produção, mas a falcatrua, a agiotagem, o crime.

Como política pública, preferimos descriminalizar as drogas a investir na indústria de tecnologia e aumentar nossa oferta de produtos de valor agregado para o mundo.

Preferimos enriquecer o clubinho dos amigos do rei cobrando altos impostos da população a fomentar a indústria e o comércio.

Dançamos a música tocada pelos fundos bilionários e ONGs ligados à ONU e ao Fórum Econômico Mundial num volume tão alto que não conseguimos ouvir o que dizem os produtores rurais brasileiros.

Somando nossa inclinação à miséria com o incentivo de um mercado amoral, sem lei, o entreguismo de governos sem grandeza de espírito e o abandono da religião – que seria o único escudo contra as investidas do mundo -, eis a química explosiva que vem destruindo as identidades nacionais pelo globo afora.

Mas não se iluda. Esse mundo moderno, hedonista e preguiçoso vem sendo construído há muito tempo. E foi preciso nos condicionar a aceitá-lo sem resguardo.

Todas as instituições brasileiras foram tomadas pela cultura do consumo e do entretenimento. Os valores transcendentes foram sendo menosprezados. A educação e o trabalho passaram a ser apenas um meio de enriquecimento, sem nenhum outro propósito mais elevado.

Uma enxurrada de direitos acabaram por eliminar em nós o senso de dever.

Fomos infantilizados. E quando o celular se popularizou, os estímulos a esse novo estilo de vida na sarjeta aumentaram exponencialmente.

O tigrinho fofinho é apenas o símbolo de uma tragédia anunciada. Não somos apenas miseráveis, mas miseráveis indefesos conduzidos por um mascote pueril através de ladrilhos coloridos para encontrar o pote de ouro no fim do arco-íris.

O Jogo do Tigrinho, que é nada mais do que um caça-níquel digital, foi desenvolvido para seduzir uma criança e por isso mesmo tem feito um estrago entre os adultos do terceiro milênio.

No Mato Grosso do Sul, segundo matéria do G1 “a enfermeira Gabriely Sabino, de 23 anos, que sumiu após sair da casa dos pais em Piracicaba (SP) foi encontrada em choque pela família, em Campo Grande (MS). A jovem era pressionada por agiotas após fazer uma dívida de R$ 25 mil em apostas on-line no Jogo do Tigrinho.”

No Paraná, uma jovem de 22 anos é suspeita de furtar R$ 179 mil do avô pra gastar no chamado “Jogo do Tigrinho”.

Em Maceió, uma mulher lamentou ter perdido 200 mil reais no Jogo do Tigrinho.

E são incontáveis as vidas destruídas pela epidemia do tigrinho. Os brasileiros estão gastando até 20% do salário com apostas on-line, segundo levantamento recente.

Todo mundo sabe que um cassino sempre vai ter lucro. E isso acontece por uma questão de probabilidade. Se você não sabe como funciona a matemática por trás das casas de apostas, vale assistir ao vídeo “Você Sempre Vai Perder” do canal Universo Programado.

Para o intuito deste vídeo, basta saber que as máquinas de caça-níquel nos países onde o cassino é legalizado são auditáveis e existem leis que garantem que o jogador tenha chance efetiva de ganhar.

Já no caso do jogo do tigrinho e outros de apostas on-line, o algoritmo é uma caixa preta. Ninguém sabe como a matemática funciona. Ele pode premiar um apostador por inúmeras vezes em quantias pequenas, aumentando a sua confiança. Quando o jogador decide apostar um valor mais alto, o jogo vira. Mas não é só isso.

Um dos segredos do Tigrinho é a maneira como a sua propaganda é feita.

Os influenciadores pagos para vender enriquecimento fácil através do jogo utilizam versões do aplicativo em que o algoritmo é programado para o jogador vencer muito. Mas nas versões disponíveis para o público, a coisa muda de figura. O esquema já foi descoberto e alguns influenciadores, presos. Mas até quando esse tipo de propaganda vai ser considerada ilegal, não sabemos. Pelo andar da carruagem, estamos ladeira abaixo.

O drama das pessoas que perdem altas quantias ou que torram o salário em busca de riqueza apontam ainda para um outro problema: o vício.

Tá mais do que provado que os jogos de azar viciam. O primeiro cassino da história, Il Ridotto, inaugurado em Veneza no ano de 1638, foi fechado em 1774 para que fosse restabelecida a ordem e os bons costumes, e para tentar impedir o empobrecimento daquela nobreza que se viciava.

Mas onde começa o vício?

Em O Jogador, o personagem de Fiódor Dostoiévski tentou mostrar o sofrimento de um viciado no jogo, sua fraqueza moral e espiritual: “Será verdade que não possamos aproximarmo-nos da mesa de jogo sem que a superstição imediatamente nos domine?”

Os efeitos psicológicos do vício em jogo é semelhante àqueles causados pelo vício em pornografia.

A ansiedade experimentada pelo apostador repetidas vezes acaba desestabilizando o sistema de recompensas do nosso cérebro. Toda vez que atingimos uma meta, sentimos prazer ou somos gratificados de alguma forma, um neurotransmissor chamado dopamina é liberado. É a dopamina que nos dá a sensação de bem estar quando nos alimentamos ou após uma atividade física. Ela também regula nosso humor. Níveis adequados de dopamina nos deixam felizes e satisfeitos. Níveis muito altos nos deixam ansiosos e maníacos, podendo até desencadear em esquizofrenia. E níveis muito baixos, ao contrário, nos arrastam para a depressão.

Quando passamos a estimular a produção de dopamina indiscriminadamente, ficamos dependentes de níveis muito altos para nos mantermos animados. E nosso organismo descompensado vai exigindo cada vez mais.

O vício, portanto, sem apelar para a questão moral, acaba por destruir a vida de uma pessoa e afetar todos à sua volta. Um país que estimula como atividades lícitas e desejosas o jogo, o consumo de drogas e a pornografia, está empurrando sua populacão para o lodo. Não se trata de um julgamento moral, mas de uma simples constatação. Não há dinheiro no mundo que pague por esse mal.

Mas parece que a ordem mesmo aqui em Banânia é punir as atividades dignas e premiar aquelas com potencial de corroer as almas.

Estamos nos transformando num caça níquel metafísico, que suga as migalhas de quem tem quase nada pra engordar os que têm quase tudo. O mal lança a sorte. Duas faces perfazem o mesmo tostão diabólico. Mas a verdade é que não precisamos dele.

Quando foi que trocamos a Fé pela fezinha? Quando foi que escolhemos o vício, a fraude, o egoísmo, a avareza, a luxúria, em detrimento do trabalho, da honestidade, do amor, da compaixão? Quando foi que deixamos de cultivar a vida em comunidade para festejar a decrepitude de uma sociedade cínica e mesquinha? Quando foi que decidimos apostar na miséria?

A moral não é moralista. É apenas uma lembrança de que nós, criaturas, estamos contingenciados no tempo e, por isso mesmo, podemos subir ou cair. É preciso fazer escolhas. E para fazer as escolhas certas, precisamos saber onde é que está o norte. No fundo, sabemos. Mas quando olhamos pra lá, vemos uma cruz. Não podemos ser covardes. Não podemos fugir e tentar salvar a própria pele. Sim, somos miseráveis, mas naquela cruz está toda a misericórdia. Não tenhais medo, pede-nos o Cristo que sacrificou-se por nós, “pois aquele que quiser salvar a sua vida, a perderá, mas o que perder a sua vida por causa de mim, a encontrará”. (Mt. 16, 25.)

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